Tradição gaúcha: a lenda da salamanca do jarau

O cerro do Jarau, localizado no município de Quaraí no Rio Grande do Sul, é uma formação rochosa de grande valor arqueológico, de até 200 metros de altura. O local vem sendo estudado a muito tempo, sendo até motivo de diversas lendas gaúchas.

Um estudo recente do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que as elevações ocorreram graças ao impacto de um meteorito que caiu na região milhões de anos atrás, abrindo uma grande cratera, e com o tempo o cerro do jarau se tornou o que conhecemos hoje.

Neste artigo conheceremos uma das lendas sobre o local, a Salamanca do Jarau:

Era uma vez um pobre gaúcho chamado Blau, que só tinha um cavalo gordo, um facão afiado e as estradas reais. Enquanto campeava um boi barroso, pensava no atraso em que andavam suas cousas, desde o dia em que encontrara o Caipora…Mas eis que na volta duma reboleira, avistou um vulto branco: era o santão da Salamanca do Cerro.

– Laus’Sus-Cris’!…
– Para sempre, amém! – respondeu o vulto, que passou a lhe contar sua história.

Eu era sacristão e um dia capturei a Teiniaguá dentro de uma guampa. Com isso, me tornei o homem mais rico do mundo. Mas um dia a Teiniaguá tomou forma de mulher e com ela, seduzido, me deitei. Ao ser descoberto pelos padres, fui sentenciado à morte. Salvo por ela, passei o Rio Uruguai e vim parar aqui no Cerro do Jarau, que ficou sendo o paiol das riquezas das Salamancas de outros lugares. Faz 200 anos que aqui estou; mas nunca mais dormi, nem tive fome, sede, dor… Eu olho para tudo e não posso gozar nada. Tu, que foste o único a me saudar como cristão, podes entrar na caverna e ser servido do que quiseres!

Então Blau apeou-se e foi andando. Meteu o peito por entre espadas afiadas; enfrentou quatro jaguares famintos; passou por esqueletos; enfrentou línguas de fogo; venceu a boicininga venenosa; resistiu à tentação de uma ronda de moças lindas; passou por uma tropa de anões.

Vencidas essas sete provas, Blau topou com uma mulher muito velha, que lhe ofereceu poder e riquezas. Mas o gaúcho, que desejava a Teiniaguá encantada, foi empurrado para fora da furna por força descontrolada. O sacristão deu-lhe uma onça de ouro que se multiplicaria sem fim.

No caminho, Blau foi pensando nas cousas de que carecia: armas, roupas, cavalo, campo, gado. Tudo comprou com a moeda que se multiplicava na guaiaca.

Começou a correr a fama da sua fortuna e correu de ouvido para ouvido que ele tinha parte com o diabo. Por isso, Blau churrasqueava e mateava solito. Então voltou ao Cerro do Jarau, onde saudou o sacristão, como da outra vez:

– Lau’ Sus-Cris’!…
– Para sempre, amém!
Blau atirou-lhe aos pés a onça de ouro, dizendo:
– Prefiro a pobreza dantes à riqueza desta onça amaldiçoada! Adeus! Fica com Deus!
– Seja Deus louvado! Pela terceira vez falaste no Nome Santo, e com ele quebraste o encantamento! – disse o vulto.

Neste mesmo instante o Cerro do Jarau tremeu. Uma língua de fogo com muita fumaça saiu da terra. Eram os tesouros da salamanca que queimavam com isso, Blau Nunes voltava a ser pobre como dantes, porém, desfrutaria em paz o seu churrasco, em paz o seu chimarrão, em paz a sua sesta. Em paz a sua vida!…

 

 


Esta é uma adaptação da lenda A Salamanca do Jarau, publicada por Simões Lopes Neto em Lendas do Sul, em 1913, e retirada do projeto 7 lendas do Sul, do Clic RBS.

Post Author: Laura Dorneles

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