Após encontro mediado pelo Brasil, os ministros de Relações Exteriores de Venezuela e da Guiana reafirmaram na última quinta-feira (25/01), a necessidade de apoiar a diplomacia e o diálogo para tratar da disputa territorial de Essequibo, região rica em petróleo e hoje parte do território guianense. Ao final do encontro, Caracas mandou uma mensagem indireta, defendendo que tudo ocorra “sem a interferência de terceiros”.
Depois de quase sete horas de discussão no Itamaraty, os dois países reforçaram a declaração de Argyle, assinada em dezembro do ano passado em São Vicente e Granadinas, pela qual as duas nações se comprometem a não usar a força.
A Venezuela deu o recado de que deseja que a comissão de chanceleres, reunida no Itamaraty e sob a liderança do Brasil, possa ser uma espécie de árbitro para resolver, no futuro, questões relacionadas à fronteira e à soberania do território. Há mais de um século a região pertence à Guiana, mas essa posição tem sido questionada há décadas por Caracas, inclusive em tribunais internacionais, como na Corte Internacional de Justiça.
Durante o governo de Hugo Chávez, falecido em 2013, a disputa foi relativamente congelada, mas o tema voltou com força total após a descoberta de grandes reservas de petróleo, especialmente na década passada, já com Maduro no poder. No ano passado, um referendo não reconhecido internacionalmente declarou que a região deveria se tornar um estado da Venezuela — a população da área em disputa não participou da votação, e a Corte Internacional de Justiça, em dezembro, determinnou que Caracas não tome medidas sobre o Essequibo. Após ameaças de guerra na fronteira, os dois lados se comprometeram a iniciar um diálogo, que tem a participação do Brasil.
Repetimos a mensagem do presidente Nicolás Maduro de que essa comissão, no futuro, possa ser transformada em uma instância em que possa ser resolvida qualquer diferença entre Venezuela e Guiana e buscar uma solução mutuamente satisfatória, disse o chanceler da Venezuela, Yván Gil Pinto.
Ao mesmo tempo, ele deixou no ar uma crítica ao que vê como “interferência de terceiros” no processo, uma indireta que pode ter como alvo o Reino Unido. Em dezembro, Londres enviou um navio de guerra à região para “manobras militares” — a Guiana faz parte da Comunidade Britânica (Commonwealth), formada por algumas ex-colônias.
Rejeitemos categoricamente a possibilidade de que terceiras partes possam interferir ou se beneficiar de uma eventual discussão ou controvérsia entre Guiana e Venezuela, ressaltou o chanceler venezuelano.
A comissão de ministros das Relações Exteriores, que inclui o brasileiro Mauro Vieira e enviados do secretário-geral das Nações Unidas, bem como da Comunidade do Caribe (Caricom), foi idealizada em dezembro. Também participou do encontro o chanceler de São Vicente e Granadinas, que ocupa a Presidência da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
Para tratar da questão territorial, a Guiana continua a defender as leis internacionais e compromissos assinados entre os dois países. No Acordo de Genebra, assinado em 1966, ambas as partes se comprometeram a rediscutir as fronteiras. Se não houvesse consenso, o secretário-geral da ONU indicaria a instância que faria a mediação. Como não houve avanço, a Corte Internacional de Justiça foi indicada. É lá que a Guiana pretende, desde o início da crise, defender os seus limites territoriais. As demandas iniciais foram entregues em 2018.
A Guiana acredita nas leis internacionais. Acreditamos em resolver todos os problemas de forma pacífica. Estamos confiantes de que, na próxima reunião, vamos avançar na discussão e diálogo, com o compromisso de paz em todo o continente, falou Hugh Todd, chanceler da Guiana.
Já o ministro Mauro Vieira afirmou que as delegações da Venezuela e da Guiana expressaram os compromissos de diálogo. Como informou O GLOBO, o objetivo da reunião, para o Palácio do Planalto , era continuar a baixar a “temperatura” da crise.
As delegações comprometeram-se, reconhecidas as diferenças de lado a lado, a continuar dialogando com base nos parâmetros estabelecidos pela declaração de Argyle. Nossa região tem a vontade política e todos os instrumentos necessários para avançar em seus projetos de desenvolvimento social justo, em um ambiente pacifico, pronunciou Vieira.
O conflito na região do Essequibo não foi o único tema abordado. Os representantes de Guiana e Venezuela também falaram sobre possibilidade de cooperação na área ambiental e de desenvolvimento social e econômico da América do Sul.
Em fala dirigida à imprensa, o chanceler da Venezuela disse que a reunião foi “franca” e transparente, ocasião em que ambos os lados falaram sobre suas posições. Segundo ele, um “triunfo diplomático”.
Quando o mundo enfrenta múltiplas crises, como bem disse o ministro Mauro Vieira, que não são resolvidas pela via diplomática, na América Latina podemos trabalhar com as divergências que surgem na disputa entre Venezuela e Guiana, destacou o venezuelano, que acrescentou: —Vamos continuar dialogando pela via diplomática e afirmar que nenhuma das partes recorrerá a ameaças ou invocação da força.
No mesmo sentido, o representante da Guiana, Hugh Todd, reforçou o compromisso com a paz.
Sem paz não há prosperidade. Nós estamos comprometidos com o processo de diálogo e as leis internacionais. Trabalhamos para ter um continente integrado. Esse foi um bom começo porque fomos capazes de dialogar e trocar ideias. Vamos continuar trabalhando para avançar (no entendimento), enfatizou o chanceler.