Por João Ricardo C. Rodrigues, enófilo, Embaixador Vinhos do Brasil – ViniBraExpo
Foram os padres Jesuítas os primeiros desbravadores a chegarem na região, hoje conhecida como Missões, que na época pertencia aos domínios espanhóis da margem esquerda do rio Uruguai.
Esse momento histórico marca uma fase importante na história da vitivinicultura brasileira, pois junto com aqueles padres chegaram na região as primeiras videiras europeias. Trazidas pelo padre Roque Gonzáles, essas mudas foram plantadas em São Nicolau, a primeira redução jesuítica, com a finalidade de elaborar os vinhos que seriam usados nas atividades religiosas.
Ainda é possível encontrar, naquele lugar, algumas ruínas das edificações levantadas pelas mãos dos mesmos indígenas que fundaram, com os Jesuítas, os Sete Povos das Missões. Dirigidos e governados pelos jesuítas, foram expulsos, em 1769, pelos espanhóis.
É nesse cenário rico em tradições e pioneiro da vitivinicultura brasileira que iremos conhecer três vinícolas que, através dos seus trabalhos e paixão pelo vinho, estão resgatando toda essa história.
O nosso roteiro inicia na Cidade de Santo Ângelo, considerada a Capital das Missões. A partir do Rio de Janeiro, optamos pelo transporte aéreo. A Companhia Aérea Azul mantém voos regulares para o aeroporto de Santo Ângelo, com conexão em Porto Alegre. O tempo total da viagem foi de 8 horas.
Como sou natural de Santo Ângelo, não tive necessidade de hospedagem. No entanto, vale destacar que a cidade possui boa oferta de rede hoteleira. Para flexibilizar os deslocamentos entre as várias cidades, sugiro a locação de um veículo.
Bem, vamos lá! A sugestão é para um roteiro de dois dias, sendo o ideal chegar na sexta e retornar no domingo, ao final da tarde.
VINÍCOLA DON CARLOS – SANTO ÂNGELO
Nossa primeira Vinícola foi a Don Carlos, que está localizada no Bairro Haller, a cerca de 15 minutos do centro de Santo Ângelo. O acesso é fácil e o GPS pode ser usado para marcar o trajeto corretamente.
Ao chegar na vinícola, fui recepcionado por Carlos Boff, proprietário, viticultor e vinhateiro. Natural de Caxias do Sul, Boff chegou em 1984 em Santo Ângelo, enviado pela Xerox do Brasil. Formado em eletrônica, comprou a propriedade na Linha Francisco Deves em 1996. Três anos depois, encomendou as primeiras mudas de uvas da Itália.
Logo após as apresentações formais, Carlos passou a apresentar o seu trabalho. No momento, a vinícola passa por ampliações, com a construção de um restaurante e instalações para receber turistas.
O vinhedo ocupa uma área de 2 hectares, onde são cultivadas diversas castas. Ali, podemos encontrar desde as clássicas francesas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Pinot Noir, Chardonnay e Viogner, as italianas Nebbiolo, Nero d’Avola, Sangiovese e Pignolo, assim como uvas mais raras como a Pinot Blanc, Saperavi, Palava e a hibrida Cabernet Volos.
A partir dessas uvas, Carlos elabora vinhos definidos por ele mesmo como “vinhos com a mínima correção”. Muitos são micro-lotes de poucas garrafas e a produção anual gira em torno de 4000 garrafas.
Os vinhos do “Mago Carlos”, como é conhecido entre os amigos e apreciadores dos seus vinhos, já conquistaram reconhecimento internacional. Em 2020, o Espumante Sete Mistérios foi contemplado com selo de qualidade do Guia Descorchados 2020.
Caminhamos pelos vinhedos para conhecer o terroir e ver de perto o que a região tem para oferecer. O solo é granítico e calcário com geografia em aclive. Segundo Carlos, “em termos de clima, a maior influência é sem dúvida devida à proximidade com o rio Ijuí, o que proporciona grande amplitude térmica, com névoa e brisa do rio durante a noite, baixando muito a temperatura.”
Voltando à Cantina, pudemos apreciar alguns vinhos, entre eles um Pinot Noir com uvas vindas da Serra do Sudeste. Esse promete muito! Também degustamos um espumante método tradicional, elaborado com uvas Sangiovese. Um espetáculo!!!!
Apesar de remeter ao próprio vitivinicultor, o nome da vinícola foi dado em homenagem a seu bisavô materno, um imigrante italiano que residiu no interior de Caxias do Sul (RS) e tinha o sonho de produzir vinhos.
A visita valeu cada segundo, pela ótima conversa e recepção do Carlos, bem como pelos belíssimos vinhos!!!
Facebook: https://www.facebook.com/VinicolaDonCarlos
Instagram: @vinicoladoncarlos
Tel: (55) 99915-3538
E-mail: [email protected]
Endereço: Linha Francisco Deves – Haller, Santo Ângelo
Pausando para o almoço e para trocar o carro (que apresentou uma pane), aproveitei para visitar o centro histórico de Santo Ângelo com destaque para a Catedral Angelopolitana. Vale a pena conhecer!
VINÍCOLA FIN – ENTRE-IJUÍS
Nossa próxima parada foi na cidade de Entre-Ijuís, que fica a 15 minutos de Santo Ângelo. Por acesso todo pavimentado, chegamos a vinícola Fin.
É uma Vinícola familiar, com tradição na região missioneira. Logo na chegada encontramos o Jorge Fin, proprietário e responsável pelo cultivo e elaboração dos vinhos da vinícola.
Cheguei em boa hora, pois estavam engarrafando o vinho Ancellota da safra 2019. A Ancellota encontrou um excelente terroir nas terras missioneiras, e assim pude prová-lo em sua fonte. Esse vinho já recebeu diversos prêmios e tem a sua qualidade reconhecida por diversos especialistas.
Jorge Fin é uma pessoa muito simpática e tem uma história muito legal com o mundo do vinho. Ele era bancário é deixou a profissão para se dedicar a paixão de elaborar o seu próprio vinho e resgatar a história da família, de origem italiana.
A Cantina se localiza em uma área próxima aos vinhedos e está em expansão, com a construção de um restaurante e área de degustação. Possui também um lago com deck, onde é possível apreciar o belo pôr do sol.
Caminhamos pelos vinhedos contemplado a bela paisagem e aprendendo com Jorge as características do terroir: “o nosso Solo é latossolo vermelho e profundo, argiloso de ótima profundidade, a geografia apresenta declividade média, o clima apresenta invernos intensos com formação de geadas com chuvas amenas na primavera, que contribui para o processo vegetativo e formação dos cachos da videira. Pouca chuva na viragem da uva, do verde para maduro e sol escaldante no momento da colheita, em meados de janeiro. O que contribuí para o alto índice de maturação e concentração dos açúcares naturais. Estamos localizados entre os rios Ijuí Grande, Ijuizinho e rio do Munho e a propriedade possui lagos naturais, que deixa a noite fresca auxiliando na amplitude térmica contribuindo para um microclima especial com boa influência na produção e maturação”.
Uvas cultivadas:
Uvas de mesa tradicionais: Bordô, Isabel, Niágara branca e Rosé, Moscato, Moscato de Alexandria, Vionner, Lorena, Ísis, Magna, Francesa antiga.
Uvas Finas principais: Ancellotta, Cabernet, Merlot, Tannat, Marselan e Cabernet Franc.
Ao término da caminhada pela vinícola, degustamos dois vinhos que aprecio muito: o Desbravador e o Merlot, acompanhados por queijos e charcutaria regional.
A Vinícola disponibiliza o espaço para eventos, piqueniques ou simplesmente aproveitar um momento junto a natureza degustando um belo vinho.
Após contemplar o belíssimo pôr do sol da Vinícola Fin, sugiro a visita no Sitio Arqueológico de São Miguel, onde é realizado o Espetáculo Som e Luz, criado em 1978 pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul e repassado para o Município de São Miguel das Missões. É uma narrativa que conta o nascimento, o desenvolvimento e o fim da experiência Jesuítico-Guarani. A história das Missões é contada diariamente, ao anoitecer, no Sítio Histórico São Miguel Arcanjo, declarado pela UNESCO Patrimônio Humanidade.
Horários:
– Novembro a Fevereiro: 20h30min
– Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro – 20h.
Site: https://vinicolafin.com.br/
Instagram: @vinicolafin
Tel: (55) 99961-8722
E-mail: [email protected]
Endereço: Rodovia Br 285 Km 509 Rodovia Colônia Mousquer, Entre-Ijuís – RS
VINÍCOLA MALGARIM – SÃO BORJA
Partimos cedo para a Cidade de São Borja. A viagem demora em torno de 2 horas e 20 minutos até a entrada da estrada vicinal que dá acesso a Vinícola. Desse ponto, são mais 10 minutos em estrada de chão batido.
Logo na chegada, a Vinícola já impressiona pela sua construção, que retrata a arquitetura das igrejas das antigas missões Jesuítas.
Fui recebido pelo Daniel Malgarim e seu Pai, o sr Sérgio Malgarim. Apresentações feitas, partimos para um tour nos vinhedos, onde são cultivadas as Castas Cabernet Sauvignon, Merlot, Tempranillo e Riesling Itálico. Destaque para a Tempranillo, que tem mostrado excelente desempenho nessa região. Dessa uva é elaborado o grande vinho da vinícola, que a cada safra recebe o nome de um dos heróis missioneiros. A safra 2019 homenageou Sepé Tiaraju e a 2020 o Nenguirú: dois grandes líderes indígenas da Guerra Guaranítica. O Tempranillo da Malgarim já recebeu diversos prêmios, sendo eleito o melhor Tempranillo do Brasil pelo Wines of Brazil Awards, grande prova de vinhos nacionais realizada pela ViniBraExpo.
Assim o Daniel descreveu o terroir Missioneiro de São Borja: “nosso terroir é um terroir de latossolos profundo. Característica da terra vermelha mais antiga do mundo. Alta concentração de argila fazendo com que o vinho tenha mais estrutura, maior teor de antocianinas (substância que da cor ao vinho) e solos altamente férteis. O clima é, em anos normais, extremamente quente no verão, com temperaturas elevadas e com as maiores horas/dia/luz do Brasil. Incidência solar em janeiro chega de 13 a 14 horas diárias. Isso é fantástico para a elevação de açúcar natural da uva. No inverno, com bastante Incidências de geadas, ajudando no processo de dormência das gemas produtivas para nova safra. Um dos terroirs mais precoces do RS, com as tintas sendo colhidas no máximo até a primeira quinzena de fevereiro. Região de muita facilidade de obter vinhos de 15 a 16% Vol em anos anormais (el niño)”.
A Malgarim oferece aos enoturistas o serviço de piquenique junto aos vinhedos, que pode ser agendado pelos canais de comunicação da vinícola
Email: [email protected]
Instagram: @vinhosmalgarim
Tel: 55 99640-6767 e 55 99927-9865
Endereço: BR 472, A 7km do trevo de São Borja sentido Itaqui – Quinta do Sino.
Em São Borja a minha dica é almoçar com a bela paisagem do Rio Uruguai. Os bares do cais do porto servem diversos tipos de peixe, em pratos elaborados das mais diferentes formas.
E assim terminamos o nosso roteiro por essa terra que muito me orgulha e que tem na sua gente e na tradição o maior de todos os valores. Um brinde ao vinho brasileiro!!!!
Por João Ricardo C. Rodrigues, enófilo, Embaixador Vinhos do Brasil – ViniBraExpo
