O cotidiano de quem vive dos rios é muito parecido com quem vive na cidade. Para abastecer o carro é necessário parar em um posto de gasolina, no rio não é diferente, para abastecer os motores de polpa é necessário parar em um posto, que são construídos em balsas no meio de rios e lagos, onde há mais profundidade, para o abastecimento também de embarcações de médio e grande porte.
Durante o período de estada da nossa equipe, no município de Tefé, visitamos diversas comunidades. Era comum, os ribeirinhos proibirem nossa entrada ou até “atracação da catraia” (pequeno barco parecido com canoa, que utilizam motores de pequeno porte), em suas terras. O medo do desconhecido era evidente, juntamente com o pavor, de que uma pessoa da cidade pudesse trazer a doença de fora para dentro na comunidade. Todas as normas sanitárias por nós foram tomadas: distanciamento social, a utilização de máscaras de proteção e álcool gel.
As margens do Rio Solimões, distante somente vinte minutos de catraia (com o rio cheio), da sede do município, conheci o líder comunitário, Gerson Jânio Paiva da Silva, da comunidade Santa Cruz. Ele, assim como quase todos na comunidade é agricultor rural e faz suas vendas, exclusivamente, no Mercado Municipal de Tefé.
Quando nossa equipe atracou, as pessoas nos olhavam com medo e desconfiadas, mesmo estando junto ao Seu Matico, mas Jânio foi de uma grande simpatia e nos explicou tudo sobre o local.
Agrofloresta – Como é o período da seca?
Jânio Paiva – Difícil no sentido de deslocamento, tudo fica longe, para você ter uma ideia, no período de seca, dá em média uma hora e meia para chegar na cidade de Tefé, pois ficamos sem furos e a volta da rabeta (pequena embarcação) é longe.
Agrofloresta – Se você pudesse fazer um pedido para melhorias na comunidade, qual seria?
Jânio Paiva – Primeiro pedido era ter um micro trator, pois a maioria dos agricultores fazem tudo com o cabo da enxada, o que leva muito tempo. Acho que é só esse o pedido mesmo, iria facilitar muito nossa produção e termos uma eficiência para produzir mais.
Agrofloresta – Alguma instituição não governamental ou ONG ajuda os ribeirinhos, ou já conversou com vocês nesse período de pandemia?
Jânio Paiva – Aqui ajuda só temos de Deus e do nosso esforço. Eu acredito que os agricultores da várzea, aqui da Ilha do Tarará são os menos favorecidos, tudo é muito artesanal e só dá para sobreviver, mas sabemos que há agricultores no sul, que possuem maquinário e que conseguem ter mais produção pela facilidade das máquinas.
Agrofloresta – Como vocês estão se protegendo nessa pandemia?
Jânio Paiva – Quando nos deslocamos das nossas casas, vamos com álcool gel e máscaras, só vamos fazer o rancho para voltar logo de lá (aponta para o furo no meio do rio que leva à cidade de Tefé). Não podemos ficar muito tempo lá não, é muito perigoso. Aqui não recebemos visitas de pessoas de fora, afinal eu já perdi vários amigos, não aqui do interior, mas lá da cidade (Tefé) que foram embora por causa “desse corona”. Inclusive um grande amigo meu e médico dermatologista muito conhecido, o Dr Assis (se emociona ao falar das perdas).
No retorno da nossa equipe para o município, eu, como amazonense e criada aqui fiquei analisando: a nossa gente é conhecida pela receptividade e calor humano, como é duro para eles, que estão acostumados conversar muito próximo e sempre tocando nas pessoas, comumente recepcionam todos os visitantes com abraços e convites para conhecer suas casas e, que nesse momento deparava-me, com uma “nova realidade” – a do medo de falar, tocar ou abraçar, uma “nova realidade” muito dura de distinguir, mesmo durante tantos anos de profissão nos meios de comunicação. Uma “nova realidade” que nunca imaginei se quer sendo apresentada em filmes pós-apocalíptico.
Texto: Milena di Castro
Foto de capa: Anderson Oliveira