Pirarucu e Sustentabilidade: O Papel Transformador do Coletivo do Pirarucu na Amazônia

O pirarucu (Arapaima gigas) é o maior peixe de escamas de água doce do mundo, podendo chegar a 2 metros de comprimento e pesar até 200 kg. Seu nome vem do tupi e significa “peixe vermelho”, em referência às escamas avermelhadas próximas à cauda. Considerado um verdadeiro fóssil vivo, essa espécie habita os rios amazônicos há mais de 100 milhões de anos, sem grandes modificações.

No entanto, o pirarucu esteve à beira da extinção devido à pesca predatória e à degradação de seu habitat natural, levando à proibição de sua comercialização como medida de preservação. Estratégias como o manejo sustentável e a criação de áreas de proteção foram fundamentais para a recuperação da espécie, demonstrando a eficácia de práticas conservacionistas aliadas à sustentabilidade.

Foi nesse contexto que, em 2018, surgiu o Coletivo do Pirarucu, resultado do Seminário para Divulgação do Diagnóstico do Manejo de Pirarucu em Áreas Protegidas do Amazonas, realizado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), em Manaus.

O coletivo reúne manejadores e manejadoras de unidades de conservação, terras indígenas e áreas de acordo de pesca nas bacias dos rios Purus, Negro, Juruá e Solimões. Seu objetivo é fortalecer iniciativas que valorizam o manejo sustentável do pirarucu, garantindo tanto a preservação da espécie quanto a justa remuneração das comunidades envolvidas.

Para entender melhor os desafios, impactos e perspectivas dessa iniciativa, conversamos com Jéssica Souza, consultora e integrante do grupo de trabalho de governança do Coletivo do Pirarucu.

Quais foram os principais desafios enfrentados no início da iniciativa?

“O diagnóstico inicial apontou desafios relacionados à produção, como infraestrutura e capacitação para boas práticas de manejo, qualidade e agregação de valor ao produto. Também houve dificuldades na gestão, envolvendo a organização comunitária e a administração dos negócios locais. Além disso, questões financeiras e mercadológicas, como acesso a mercados diferenciados, preço de venda e custos logísticos, representaram obstáculos. Outro grande desafio foi a fiscalização, devido à alta incidência de pesca e comercialização ilegais do pirarucu.”

Foto: Bruno Gambarini/OPAN

Quais são os principais impactos ambientais, econômicos e sociais do manejo sustentável do pirarucu para as comunidades ribeirinhas e indígenas?

“O manejo sustentável tem gerado impactos positivos significativos, como o aumento da população de pirarucus no Amazonas—em algumas áreas, houve um crescimento de cerca de 400% em 10 anos de atividade. Além disso, contribui para a geração de renda, melhoria da infraestrutura local, equidade de gênero e engajamento da juventude, segurança alimentar, autonomia territorial, segurança social, valorização cultural e redução da evasão do campo.”

Como as parcerias com organizações de apoio técnico e instituições de pesquisa contribuem para o fortalecimento do coletivo e da cadeia de valor do pirarucu manejado?

“A Operação Amazônia Nativa (OPAN), o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), o Memorial Chico Mendes e o Instituto Juruá desempenham papéis essenciais. Eles auxiliam no desenvolvimento de estratégias e ações para fortalecer o manejo do pirarucu, oferecendo assessoria técnica, apoio na captação de recursos, capacitações e pesquisas científicas que aprimoram o manejo sustentável. Além disso, essas instituições ajudam na mobilização do grupo e na viabilização dos encontros anuais do Coletivo.”

Quais são os principais entraves regulatórios e desafios de mercado para ampliar a comercialização do pirarucu manejado?

“Os maiores desafios envolvem a superação de barreiras históricas ligadas à exploração do pirarucu de manejo e dos pescadores artesanais no Amazonas. Isso inclui o combate à pesca e ao comércio ilegal, além da necessidade de garantir uma remuneração justa aos manejadores, reduzindo a influência dos atravessadores. Também buscamos ampliar o acesso a mercados consumidores mais conscientes, dispostos a pagar por um produto de alta qualidade que carrega uma história de transformação social e um custo associado à preservação da floresta em pé.”

Quais são as perspectivas futuras para o manejo sustentável do pirarucu e como essa iniciativa pode inspirar outras regiões da Amazônia?

*”O Coletivo do Pirarucu vê o manejo sustentável como um modelo inspirador para um novo paradigma econômico e produtivo na Amazônia. Ele se baseia no conhecimento tradicional e científico, promovendo a co-gestão dos recursos naturais com protagonismo dos povos da floresta. O pirarucu é um símbolo da sociobioeconomia, impulsionando transformações socioambientais e fortalecendo as comunidades tradicionais e indígenas.

Esperamos que os órgãos públicos assumam um compromisso ainda maior com essa atividade, apoiando o manejo sustentável de forma contínua e estruturada. Isso inclui o combate às atividades ilegais nos territórios, a criação de políticas públicas adequadas e o reconhecimento do trabalho essencial realizado pelos manejadores e manejadoras do pirarucu.”

Disse Jéssica Souza, em entrevista.

 

Texto: Caio Vinícius Vilaça

Fotos: Reprodução

Post Author: Beatriz Costa

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *