Os efeitos da pandemia extrapolam a dimensão da doença em si, e intensificam a vulnerabilidade delas no mercado de trabalho, o esgotamento físico e psíquico, a violência doméstica e feminicídio
A pandemia tem impactos desiguais sobre diferentes grupos da população e reforçou discrepâncias já existentes. A imposição do trabalho remoto e o fechamento das escolas deixou mulheres ainda mais sobrecarregadas para dar conta do trabalho, de atividades domésticas, filhos e marido.
Aderir à jornada dupla ou tripla, contando com pouca ou nenhuma ajuda, aprofundou os efeitos da crise sanitária.
As mulheres, especialmente as mais pobres, chefes de família e com filhos, são afetadas pela perda da renda, falta de creches e escolas, impossibilidade de adotar medidas de distanciamento social e o aumento da violência doméstica.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a participação feminina no mercado de trabalho no Brasil ficou em 46,3% no segundo trimestre de 2020, a menor em 30 anos.
Juliana Gomes de 28 anos, vendedora em uma loja de Shopping, e mãe de duas crianças, de quatro e seis anos contou que ficou desempregada em maio 2020 com a primeira onda da Covid-19 em Manaus e o decreto de isolamento social. “Minha vida virou cabeça para baixo pelo coronavírus. Fiquei sem renda e com as crianças em casa. Está sendo muito difícil além de cansativo. Meu cabelo está caindo, estou sempre de mal humor e nem consigo dormir direito”.
Me virei com ajuda da minha família. Esteve atuando como manicure e pedicure em casa, enquanto elos cuidavam de meus filhos. Agora com a segunda onda, empiorou a situação, com o toque de recolher ninguém pode sair de casa, não tenho mais clientes, nem renda.
A saúde mental minada pela exaustão
Muitas mulheres passaram a trabalhar de casa, o que significou um obscurecimento das fronteiras entre o emprego e os períodos de lazer e descanso. Mães precisaram adaptar suas rotinas para prestar maiores cuidados e dar aulas aos filhos. Com o fechamento das escolas, as restrições do isolamento social também afetaram a saúde mental de crianças e adolescentes em idade escolar.
À preocupação com a própria saúde física, de filhos e família se somou a insegurança financeira e a falta de convívio social. Sintomas como dificuldade para dormir e se concentrar e o esgotamento físico e psíquico foram alguns dos mais recorrentes em meio às muitas crises causadas pela covid-19. Ansiedade, depressão, estresse, solidão e cansaço são atualmente as principais ameaças à saúde mental.
Confinadas com seus agressores
A pandemia também expôs mais pessoas à violência doméstica. Organizações de defesa de direitos das mulheres consideram a casa o ambiente de maior risco para a população feminina. Em meio à pandemia, muitas mulheres acabaram se vendo confinadas com seus agressores ou perderam o contato com sua rede de apoio, que, muitas vezes, auxilia na denúncia da violência sofrida ou no próprio acolhimento das vítimas.
Fabiana Ferreira de 33 anos, tester em uma empresa de tecnologia, adoptou o Home Office em abril 2020, e em novembro voltou feliz para seu escritório. Mas com a segunda onda do Covid-19 em Manaus, voltou para o trabalho remoto.
A sua experiencia durante o isolamento social foi péssima e términou se separando do marido. “Foi muita briga com ele, que até chegou a bater em mim. Eu estava sobrecarregada de trabalho do escritório, da casa e com a criança de três anos, sem babá nem creche. Ele nem ligava, viciado em esportes e sexo. Fiquei deprimida, ansiosa e com medo dele”.
Com o isolamento social, cresceram no Brasil os índices de agressão, estupros e feminicídios. Números do Monitor da Violência, mostram um aumento nos homicídios de mulheres e feminicídios em 14 e 11 UFs, respectivamente, no primeiro semestre de 2020, quando comparado com o mesmo período de 2019.
Em relação aos homicídios de mulheres se destacam as regiões Norte e Nordeste, onde três estados apresentaram crescimento acima de 80%: Rondônia (255%), Tocantins (143%) e Ceará (89%). Em relação ao feminicídio, Acre e Pará se destacaram com um aumento de 167% e 112%, respectivamente.
Texto Dulce Maria Rodriguez
Fonte: Nexo, Monitor da Violência
Fotos: reprodução