Nesta semana, no dia 19 de novembro, foi comemorado o Dia do Empreendedorismo Feminino, conheça mulheres refugiadas e migrantes em Manaus que mudaram de vida graças ao programa Mujeres Fuertes
A venezuelana Ana Morález, hoje proprietária da empresa de doces e salgados Fusão de Sabores, em Manaus, superou desafios como fome, frio, e barreiras linguísticas ao chegar ao Brasil com o filho em 2019. Com apoio do projeto Mujeres Fuertes, participou de cursos de empreendedorismo e culinária que a capacitaram para abrir o próprio negócio, unindo as culinárias brasileira e venezuelana. “Mujeres Fuertes foi um divisor de águas para mim”, diz.
O Mujeres Fuertes é uma iniciativa conjunta da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), do Hermanitos e do Ministério Público do Trabalho (MPT-AM/RR), com apoio do Tribunal Regional do Trabalho da 11.ª Região e do Instituto Mana. O programa, criado em Manaus (AM) em 2022, capacita mulheres refugiadas e migrantes que sejam mães solo ou chefes de família para alcançarem a autonomia financeira por meio do empreendedorismo.
“Consegui minha independência econômica, minha independência emocional. Tudo mudou para melhor. E eu conheci uma família, tenho mãe, tia, avó de consideração”, comenta María Ofelia Gonzáles Marcano, que participou do programa em 2022, sobre a rede de apoio que formou durante as aulas.
Durante seis meses, as participantes são treinadas em habilidades sociais, gastronomia e técnicas de vendas. Além disso, recebem kits com materiais e assistência financeira, assim como acompanhamento durante a fase inicial do projeto empreendedor. © UNHCR/Alef Kaf
Força conjunta em prol de mulheres chefes de família
De acordo com o diretor-presidente do Hermanitos, Tulio Duarte, o projeto foi idealizado com base em uma demanda significativa de mulheres buscando oportunidades de trabalho e estudo. “Nós tínhamos identificado cerca de 70% da população que nos procurava sendo mulheres. Além disso, cerca de um terço das famílias que a gente atendia eram chefiadas por mulheres”, relata.
Foi nesse cenário que o Hermanitos, junto ao ACNUR e ao MPT, identificou uma necessidade de ação voltada a esse público. “O projeto Mujeres Fuertes busca não somente acolhê-las, mas criar oportunidades para todas”, conclui Tulio.
Durante seis meses, as participantes são treinadas em habilidades sociais, gastronomia e técnicas de vendas. Além disso, recebem kits com materiais e assistência financeira, assim como acompanhamento durante a fase inicial do projeto empreendedor.
Atualmente, o projeto Mujeres Fuertes tem turmas nos estados do Amazonas e de Roraima. A chefe de escritório do ACNUR em Manaus, Laura Lima, afirma que a iniciativa valoriza as capacidades das mulheres forçadas a se deslocar que vivem no Brasil. “É o nosso desejo que as futuras edições possam contemplar cada vez mais nacionalidades, beneficiando cada vez mais mulheres fortes, independentemente de sua origem”, afirma.
Em Manaus (AM), o projeto encontra-se em sua sétima edição, com 50 mulheres inscritas. No total, 296 mulheres participaram do Mujeres Fuertes na capital amazonense. Em Boa Vista (RR), 149 mulheres passaram pela capacitação profissional desde 2023.
Iniciativas de formação e empregabilidade são essenciais para garantir que mulheres refugiadas e migrantes possam viver em segurança em um novo país, especialmente se forem chefes de família.
A procuradora-chefe do MPT-AM/RR, Alzira Melo Costa, destaca a importância, para o Ministério Público do Trabalho, de financiar e apoiar projetos voltados para pessoas refugiadas e migrantes. “Não se trata apenas de aplicar nossa expertise no enfrentamento de formas de superexploração do trabalho, como o tráfico de pessoas, o trabalho escravo e outras graves violações que afetam especialmente migrantes e refugiados, mas também de contribuir para a promoção e implementação de políticas públicas que garantam a autonomia e os direitos dessas populações”, comenta.
Mulheres fortes se tornam a rede de apoio umas das outras
Com o programa Mujeres Fuertes, as participantes, que são mães solo ou chefes de família, adquirem conhecimentos em várias áreas, incluindo empreendedorismo, economia, português e, dependendo da temática da turma, culinária, estética, entre outros.
Porém, tão ou ainda mais importante que isso, conhecem outras mulheres na mesma situação e encontram um ambiente seguro e de estímulo. Formam laços de amizade e confiança e passam a ser a rede de apoio umas das outras. Conheça quatro participantes da iniciativa que contam como ter participado do Mujeres Fuertes mudou a vida delas:
Rebeca del Carmen era enfermeira em hospital na Venezuela. Quando veio para o Brasil com a filha, o filho e o companheiro, precisou recomeçar a vida do zero, tecendo uma forte história de resiliência e superação. © UNHCR/Alef Kaf
‘Vai dar certo’
Rebeca del Carmen era enfermeira em hospital na Venezuela. Quando veio para o Brasil com a filha, o filho e o companheiro, precisou recomeçar a vida do zero, tecendo uma forte história de resiliência e superação. A família chegou durante a pandemia. Apesar de ter uma irmã no Brasil, não havia espaço suficiente para todos.
A situação já estava difícil e ficou ainda mais depois que Rebeca se separou. “Às vezes, não tinha o que comer, eu comia na praça com os moradores de rua. Eu aprendi português foi com os moradores de rua, eles me ensinaram”, conta. Mesmo vivendo em um cômodo com os filhos e dormindo no chão, Rebeca sempre manteve uma atitude positiva. “Eu falava: vai dar certo.”
Como sempre gostou de se arrumar e tinha uma chapinha, ela viu nisso uma nova oportunidade de negócio. Hoje, ela faz tratamentos e alisamentos de cabelo, alongamento de cílios, sobrancelhas. Depois de entrar no programa Mujeres Fuertes, aprendeu muito mais do que conhecimento técnico: formou uma rede de apoio que não tinha como mãe solteira.
Empreendedora venezuelana María Ofelia Gonzáles Marcano, 23 anos, em Manaus (AM). © UNHCR/Alef Kaf
‘O Brasil é minha casa’
A empreendedora venezuelana María Ofelia Gonzáles Marcano, 23 anos, chegou ao Brasil sozinha com 16 anos e começou a vender bombom nas ruas em Roraima, onde ficou até completar 18 anos. Depois de conseguir sua documentação, veio para Manaus. Enfrentou xenofobia e muitos desafios para conseguir trabalho, além de ter sido vítima de violência doméstica.
Ter participado da segunda turma do Mujeres Fuertes, em 2022, foi uma oportunidade enriquecedora. “Foi um período maravilhoso que mudou minha vida completamente”, diz. Além de participar de cursos, ela ganhou um kit com forno e batedeira. Foi assim que começou a fazer bolos caseiros. Hoje, María Ofelia é uma confeiteira de mão cheia e dona da empresa Doce Renascer. “Porque, após entrar no Mujeres Fuertes, eu renasci”, explica.
“Consegui minha independência econômica, minha independência emocional. Tudo mudou para melhor. E eu conheci uma família, tenho mãe, tia, avó de consideração”, comenta sobre a rede de apoio que formou dentro do programa. Ela ama o país de origem, mas vê o Brasil como sua casa. Mãe de um menino, María Ofelia tem metas traçadas para a empresa. “Eu quero o Doce Renascer sendo uma das melhores confeitarias de Manaus”, conclui.
Venezuelana Ana Morález, proprietária da empresa de doces e salgados Fusão de Sabores. © UNHCR/Alef Kaf
‘Mujeres Fuertes foi um divisor de águas’
Dona da empresa Fusão de Sabores em Manaus, Ana Morález, da Venezuela, uniu a culinária do Brasil com a do próprio país para fornecer doces, salgados, bolos e uma variedade de quitutes.
Ana chegou ao Brasil com o filho mais novo e enfrentou uma série de obstáculos. “Passamos perrengue, dormimos na rua, passamos frio, fome”, relembra. O idioma foi outra barreira, além da depressão que enfrentou. Nenhum desafio, porém, tirou a vontade de Ana de trabalhar e progredir.
Ter a chance de fazer cursos de empreendedorismo e culinária foi o estímulo que faltava para que ela tivesse informações e condições de formar o próprio negócio. Ana chegou a trabalhar numa fábrica, lavando louças e fazendo bolos, conhecimento que agregou à própria empresa. “Mujeres Fuertes foi um divisor de águas para mim.” Foram seis meses de cursos e de intensas trocas e aprendizados com outras mulheres que foram a base para que ela abrisse a Fusão de Sabores.
A venezuelana Yuglenis Gamboa, 37 anos, trabalha como cabeleireira e salgadeira em Manaus. © UNHCR/Alef Kaf
‘Devemos trabalhar por nós mesmas’
A venezuelana Yuglenis Gamboa, 37 anos, trabalha como cabeleireira e salgadeira em Manaus. Na Venezuela, era advogada. Ela veio para o Brasil com o pai, de 72 anos, e o filho, que tem doença cardíaca e não conseguia atendimento no país de origem. Aqui também teve um filho brasileiro.
Yuglenis chegou ao Brasil em meio à pandemia e, em busca de uma fonte de renda, procurou uma receita de brigadeiro, que conheceu no novo país, e começou a vender. Também continuou a produzir e fornecer salgados venezuelanos, como o tequeño.
Do país natal, Yuglenis quase não trouxe roupas, mas não deixou para trás chapinha, batedeira e outros utensílios. Assim, começou a ter clientes no Brasil tanto na culinária, quanto na área da estética e da beleza, fazendo escova progressiva. O boca a boca foi o segredo do crescimento do negócio.
“Eu fui ganhando cliente, cliente, cliente. Eu não postava nas redes porque estava sem internet em casa. Eu fornecia salgado, e quem comprava recomendava para outro. A pessoa em que eu fazia progressiva recomendava para outra”, relata.
Atualmente, ela tem emprego fixo em uma lanchonete, mas não deixa de investir também no próprio negócio, a partir do que aprendeu com o programa Mujeres Fuertes. “Aprendi que devemos trabalhar por nós mesmas. Aprendi muita coisa”, afirma.
Refugiados Empreendedores
A plataforma Refugiados Empreendedores é uma iniciativa do ACNUR e do Pacto Global da ONU – Rede Brasil e tem como objetivo divulgar e dar visibilidade a empreendimentos liderados por pessoas refugiadas no país. Além disso, iniciativa apoia capacitações e oportunidades de formação e divulgação de seus negócios. Saiba mais clicando aqui.
*com informações da assessoria