Em alusão ao mês da Consciência Negra e com o objetivo de promover uma reflexão aprofundada sobre temas como ancestralidade, racismo estrutural, cultura afro-brasileira e políticas públicas, o Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), por meio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), realizou ontem, quinta-feira (28/11) o evento “Consciência Negra: Onde estamos e para onde vamos?”. A programação aconteceu no auditório Gebes de Mello Medeiros, na sede do MPAM, com transmissão ao vivo pelo canal oficial da instituição.
Compondo a mesa de honra, a procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Nascimento Albuquerque, destacou a importância da memória e do enfrentamento ao racismo. “O passado não se recolhe; ele permanece presente e nos ensina. A história de Zumbi dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1695, é uma lembrança de luta e resistência. Hoje, como Ministério Público, enfrentamos o racismo por meio de denúncias e ações que promovem igualdade e justiça. Mas é preciso que todos – homens, mulheres, crianças e idosos – se tornem difusores desse debate antirracista para transformar nossa sociedade”, declarou.
Diálogos sobre ancestralidade e religiosidade
O evento iniciou com a exibição do teaser do documentário “A Mata, as Ervas e o Axé”, produzido pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que explora a riqueza das tradições religiosas de matriz africana.
No primeiro painel, “Ancestralidade, Tradição Cultural e Tolerância Religiosa”, a antropóloga Luiza Flores ressaltou a importância do papel das pessoas brancas na desconstrução de privilégios: “O engajamento antirracista não deriva apenas de identidade, mas de prática contínua e diálogo. Como pesquisadora, busco questionar e escancarar os privilégios dados aos corpos brancos em um país marcado por desigualdades profundas”, destacou.
A mediadora e advogada Ana Carolina Amaral trouxe à tona o impacto do preconceito na vivência de religiões afro-brasileiras. “As práticas religiosas dessas comunidades enfrentam discriminação constante, seja pelo uso de vestimentas tradicionais ou por suas crenças. Isso evidencia a necessidade de resgatar nossa ancestralidade e combater o racismo religioso”, afirmou.
Racismo estrutural, educação e políticas públicas foram os temas centrais do segundo painel, mediado por Laila Alencar, advogada e membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB-AM e do coletivo Ahosí, que atua com direito antidiscriminatório.
Laila Alencar destacou a inspiração do coletivo, cujo nome remete a um exército de mulheres guerreiras do Reino do Daomé, na África Ocidental. “Nós usamos o direito como ferramenta de luta, expandindo os espaços de debate, especialmente sobre feminismo negro, que ainda carece de visibilidade nas discussões gerais sobre gênero”, pontuou. Ela também enfatizou o compromisso das novas gerações em avançar na promoção da justiça racial, criticando a baixa adesão aos debates e incentivando os presentes a disseminar essas ideias.
As palestrantes Maria Letícia Oliveira, assistente social e presidente do Instituto Cultural Afro da Amazônia, e Beatriz Calheiro, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), aprofundaram questões como a correlação entre feminismo negro e as “mulheridades” como vítimas de violência, além de debaterem patrimônio cultural, educação, democracia e igualdade racial. Maria Letícia trouxe sua experiência em trabalhos comunitários e na organização de grupos afrodescendentes, enquanto Beatriz Calheiro abordou o fortalecimento das identidades afro-brasileiras por meio da valorização do patrimônio cultural.
Sistema de justiça e direitos raciais
O painel foi seguido de uma roda de conversa mediada pela promotora de Justiça do MPAM, Karla Cristina da Silva Reis, sobre como o sistema de justiça pode interferir na concretização de direitos raciais. As advogadas Ana Carolina Amaral e Laila Alencar também participaram da conversa.
Em sua fala, Karla Cristina, destacou o impacto da representatividade e dos atravessamentos enfrentados por mulheres negras em ambientes institucionais. “A perspectiva de ser mulher e ser negra nos permite questionar e tentar alterar essa institucionalidade imposta. Quando olhamos para a Amazônia, com mais de 70% da população se autodeclarando preta ou parda, percebemos o apagamento das nossas memórias culturais e ancestrais, mesmo dentro do contexto amazônico”, afirmou.
A promotora de Justiça também refletiu sobre o desafio de equilibrar identidade e profissionalismo: “Muitas vezes, espera-se que deixemos nossas vivências culturais, como o pertencimento ao Axé, de lado para caber nos moldes de uma institucionalidade que não nos representa. Mas nossa presença nesses espaços é, em si, um ato de resistência e uma oportunidade de transformação.”
Público
O encontro reuniu membros da instituição, servidores, coletivos e estudantes do 1º, 2º e 3º ano da Escola Estadual Maria Amélia do Espírito Santo, do bairro Dom Pedro, que acompanharam a programação especial por meio do projeto “MP nas Escolas”, iniciativa do MPAM que busca aproximar a instituição das escolas e promover cidadania e conhecimento sobre seus direitos.
O evento encerrou com uma apresentação artística da cantora Cláudia Trindade.
Texto: Poliany Rodrigues/ MPAM
Foto: Hirailton Gomes