Por Beatriz Costa, Editora-Chefe
Na comunidade Vila Bode, localizada às margens do lago Tefé, no interior do Amazonas, a rotina começa cedo. Ainda antes do nascer do sol, o agricultor Raimundo Nonato da Silva, 58 anos, já está colhendo banana, mandioca e cheiro-verde. O destino da produção não é o mercado da cidade, mas as escolas públicas do município. Desde que começou a fornecer alimentos para a merenda escolar por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), seu Raimundo encontrou uma nova razão para cultivar a terra.
“A gente planta com mais gosto agora, porque sabe que essa comida vai direto para as crianças. E o melhor: tudo é daqui, da nossa terra, sem veneno e com sabor de verdade”, conta orgulhoso, enquanto carrega um cesto com frutas regionais até a voadeira.
O PNAE, política pública coordenada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), exige que ao menos 30% dos recursos federais para merenda escolar sejam usados na compra de alimentos da agricultura familiar. Essa regra tem gerado transformações significativas em regiões como a Amazônia, onde comunidades rurais e ribeirinhas encontram no programa uma fonte de renda estável e valorização de seus saberes e modos de vida.
Sabores que conectam campo e sala de aula
Na Escola Municipal Nossa Senhora de Fátima, situada na zona urbana de Tefé, a aluna Maria Eduarda Lopes, de 10 anos, comemora as mudanças no cardápio.
“Antes era só bolacha e suco de pacote. Agora tem banana assada, tapioca, peixe com farinha e até bolo de macaxeira. A gente gosta mais e fica com mais energia para estudar”, diz sorrindo.
Segundo a nutricionista responsável pela alimentação escolar no município, Carla Mourão, os cardápios agora priorizam alimentos regionais e frescos, respeitando a cultura alimentar amazônica e promovendo saúde:
“A inclusão da produção local melhora a qualidade nutricional da merenda e ainda ajuda a manter a floresta em pé, porque incentiva práticas sustentáveis.”
Produção comunitária e desafios logísticos
Seu Raimundo faz parte da Associação de Produtores Rurais da Vila Bode, que reúne mais de 40 famílias da região. Eles produzem frutas, hortaliças, raízes e ocasionalmente peixe e ovos. Toda a logística de entrega é feita de forma comunitária, com apoio da Secretaria Municipal de Educação.
“Tem semana que o rio tá difícil, mas a gente dá um jeito. A escola conta com a gente e nós contamos com esse dinheiro também”, explica ele, referindo-se aos pagamentos que, além de ajudarem no sustento das famílias, estimulam o protagonismo local.
Apesar da distância, da dificuldade de transporte e da falta de estrutura para armazenar os alimentos, o impacto do PNAE nas comunidades amazônicas é visível. O programa promove segurança alimentar, fortalecimento da economia local e combate ao êxodo rural.
O futuro que nasce da terra
De acordo com o FNDE, o município de Tefé tem alcançado regularmente o índice mínimo exigido de compras da agricultura familiar e busca aumentar essa porcentagem. Para os agricultores da Vila Bode, isso significa não apenas vender mais, mas manter vivas as tradições agrícolas e fortalecer os laços entre a terra e a educação.
“Cada vez que coloco uma banana ou uma mandioca na cesta, penso que é um pedaço da nossa história indo pra merenda das crianças”, diz seu Raimundo. “E isso é bonito demais.”