
O uso de jacarés faz parte da história dos povos da Amazônia. Nessa região, os jacarés açu e tinga sempre estão entre as espécies caçadas e chegaram a responder por uma parcela significativa da renda de inúmeras famílias ribeirinhas. Entretanto, a caça comercial sem requisitos mínimos de conservação, ameaça a sobrevivência das espécies, principalmente onde também existe destruição do ambiente.
Inicialmente a caça dos jacarés só existia para o consumo da carne. Depois, surgiu a caça comercial, primeiro para a venda de couro no mercado internacional, em especial do jacaré-açu por ser uma espécie que pode passar dos 5 metros. Entre os anos 70 e 90, a exploração de jacarés amazônicos passa a apontar para o mercado interno de carne. Esse uso sem controle quase extinguiu esses animais em algumas áreas num passado recente.
Todas essas formas de exploração dos jacarés (com exceção da caça de subsistência) são proibidas desde 1967, pela Lei da Fauna (Lei nº 5.197). Porém, compreendendo a importância da caça para as comunidades mais isoladas, a legislação brasileira passou a apresentar a possibilidade de manejo comunitário em algumas categorias de unidades de conservação, a partir dos anos 2000 (Lei Federal nº 9.985).
Para realizar o manejo de jacarés são necessárias atividades técnicas e científicas que garantam a sustentabilidade do sistema, tanto do ponto de vista ecológico quanto socioeconômico. Todas essas atividades vêm sendo realizadas pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDS Mamirauá) desde final dos anos 90, e os resultados obtidos têm demonstrado que o manejo comunitário de jacarés pode, sim, ser uma alternativa viável.
São feitos levantamentos, com apoio dos moradores da região, para identificação das áreas onde os jacarés fazem seus ninhos. Esse é o primeiro passo para o zoneamento do manejo, pois nas áreas de reprodução dos jacarés fica proibida a captura. Também é feito o levantamento da quantidade de jacarés na área, que define quantos animais podem ser abatidos sem riscos à espécie. Pela noite, com o uso de lanternas, os jacarés são avistados e contados por seus olhos que refletem a luz, e do total de animais contados, até 15% poderá ser capturado. Em alguns locais da RDS Mamirauá, são encontrados mais de 100 jacarés por quilômetro de margem.
Do ponto de vista socioeconômico, tem-se promovido o empoderamento das comunidades, de modo que as decisões tomadas no desenvolvimento e na gestão do manejo sejam representativas da vontade e expectativas dos manejadores. Também busca-se garantir uma valoração justa dos produtos gerados, o que depende diretamente da infraestrutura e recurso financeiro necessários ao manejo, do acesso aos mercados e da relação saudável com os compradores.
O projeto para o manejo de jacarés RDS Mamirauá tem sido estruturado desde 2003, atualmente por meio de uma parceria entre o IDSM e a Associação de Produtores do Setor Jarauá (APSJ), com apoio de diversas instituições federais, estaduais e municipais.
A partir da conclusão do abatedouro flutuante construído pelo IDSM, é previsto um abate para o primeiro semestre de 2020. Serão beneficiados diretamente 64 associados à APSJ e suas famílias que participarão das capturas e abate dos jacarés.
A escala de produção será gradativamente ampliada, iniciando-se com poucos jacarés até atingir o máximo permitido para o local, dando tempo hábil para adaptações que possam ser necessárias. A comercialização se dará através da primeira feira de jacaré manejado, a ser realizada em Tefé com apoio da prefeitura do município, que deve fornecer por volta de 750 kg de carne, enquanto o couro deve seguir para curtumes de outras regiões do país.
Espera-se que em médio e longo prazo, o manejo de jacarés possa auxiliar na melhoria de condição de vida das comunidades, gerando diversificação produtiva e renda alternativa, apoiando o desenvolvimento local, além de promover a sobrevivência dos jacarés e reduzir a caça ilegal na região.