Quebra na última safra pode limitar expansão nos cultivos de outono/inverno na Região Sul
O excesso de chuvas, causado pelo El Niño na última safra, ocasionou perdas na produção de grãos e forragens na Região Sul. Além de perdas quantitativas, o setor sementeiro avalia agora as perdas qualitativas, já que muitas áreas de multiplicação não atingiram os parâmetros específicos para a comercialização de sementes.
“O ambiente quente e úmido do inverno e primavera de 2023 afetou tanto a qualidade fisiológica das sementes, como a qualidade sanitária. As condições ambientais favoreceram as doenças na espiga e, ao mesmo tempo, dificultaram o seu controle, já que em muitos casos o excesso de chuvas impediu a entrada de máquinas nas lavouras para aplicação de fungicidas. Além disso, o excesso de chuvas na época de colheita acelerou a deterioração das sementes”, conta Vladirene Vieira do setor de produção de sementes Embrapa Trigo.
No trigo, a quebra na produção de sementes chegou a 50% no Rio Grande do Sul. Segundo a Apassul, para a safra 2024, estarão disponíveis 138 mil toneladas de sementes certificadas de trigo, volume suficiente para abastecer uma área de cultivo próxima a um milhão de hectares no RS. A taxa de uso de semente certificada nesta safra está estimada em 78%, a maior da história já registrada pela Apassul, indicando que o uso de semente salva não será significativo, justamente pelo risco de investir em semente de baixa qualidade. “No ano passado, a taxa de uso de semente certificada foi de 58% no RS. A supersafra de 2022, tanto em produtividade quanto em qualidade, foi um estímulo ao agricultor para guardar semente para 2023. Na contramão, no ano de 2023 tivemos uma das piores safras de trigo, considerando que o agricultor não possui equipamentos específicos para produção de sementes, teremos redução significativa de grãos salvos”, explica o diretor executivo da Apassul, Jean Cirino.
Para estimar os impactos de um possível aumento no preço das sementes nesta safra, em função da oferta menor do que a demanda, a equipe de transferência de tecnologias da Embrapa Trigo consultou algumas cooperativas gaúchas e avaliou que, dentro das planilhas de custos de produção, o preço do saco de sementes de trigo 40kg está variando de R$ 130 a R$ 150, pouco acima dos R$ 120/sc praticados na safra passada. “Na safra 2023, houve uma grande oferta de sementes no mercado que causou a queda nos preços. Neste ano, a oferta de sementes é mais restrita, a relação oferta-demanda está bem ajustada”, observa Jean Cirino.
No Paraná, a quebra está estimada em 20%, contabilizando que deixarão de entrar no mercado cerca de 30 mil toneladas de sementes de trigo por falta de qualidade. A previsão da Apasem é que o setor sementeiro vai garantir produção para cobrir 1,1 milhão de hectares com trigo no Paraná. “Acreditamos que a redução na oferta de sementes vai acompanhar a menor intenção de cultivo do trigo por parte do produtor paranaense. A redução na cotação do trigo e as incertezas com o clima para o próximo inverno, deixaram o produtor mais cauteloso com a safra de inverno”, avalia o diretor executivo da Apasem, Jhony Moller. O milho segunda safra, tradicional concorrente do trigo na metade norte do Paraná, não deverá avançar novamente, repetindo a área de 2,4 milhões de hectares em 2024, não impactando no cultivo do trigo na região. Porém, está previsto um aumento de 33% na área de feijão segunda safra, ocupando o espaço que no ano anterior foi utilizado pelos cereais de inverno. A previsão do Deral é uma redução de 17% na área com trigo no Paraná.
Falta de sementes de forrageiras
O mercado enfrenta também a falta de sementes para a implantação de pastagens. A estimativa da Sulpasto é que a oferta de sementes de aveia preta seja reduzida em 40% e no azevém a oferta é até 80% menor em relação ao ano passado. “A maioria dos produtores de sementes forrageiras também são produtores de grãos, então com a janela curta para fazer o manejo nos cereais de inverno, o produtor teve que optar pelo maior potencial de retorno e escolheu ‘salvar’ os grãos”, conta o presidente da Sulpasto, Cláudio Lopes. Segundo ele, os produtores que conseguiram colher mais cedo, até tiveram resultados satisfatórios, mas as forragens mais tardias, como o azevém colhido em novembro/dezembro, sofreram perdas generalizadas no Rio Grande do Sul.
Os gaúchos até tentaram recorrer às importações, comprando sementes forrageiras do Uruguai e da Argentina, mas também nos países vizinhos houve frustração de safra, implicando em escassez de sementes, além de problemas internos no Brasil, como a greve dos fiscais agropecuários, o que está atrasando a liberação dos lotes. “Acreditamos que apenas 30% do volume importado vai chegar a tempo para implantação das forrageiras na época indicada”, avalia Lopes.
Com a procura aquecida, os preços de sementes forrageiras seguem em alta. Enquanto na safra passada era possível adquirir aveia preta a R$ 0,88/kg, hoje o valor chega a R$ 4,00/kg (base Passo Fundo, RS). Como alternativa à escassez de aveia preta e azevém, Cláudio Lopes recomenda ao produtor investir em aveia branca e outros cereais de inverno que podem ser utilizados como forragem. “O impacto na oferta de forragens não deverá ser maior em função da queda no preço do gado, o que reflete na diminuição dos rebanhos”, lembra Lopes, ressaltando que “ainda é cedo para definir cenários, mas certamente haverá uma movimentação no setor para minimizar os efeitos de longo prazo causados pelo clima”.
Também no Paraná, a falta de sementes forrageiras deverá afetar os rebanhos, aumentando os custos de produção especialmente na região Sudoeste, onde está a principal bacia leiteira do Estado, e na atividade pecuária dos Campos Gerais. “O déficit nas sementes forrageiras vai afetar a produção de feno e silagem para a alimentação animal, bem como a cobertura de solo em muitas propriedades que costumam utilizar aveia preta. Alternativas existem para não deixar o solo descoberto, como a braquiária e o nabo, mas o custo acaba sendo maior”, esclarece Jhony Moller, da Apasem.
Cuidados para reduzir problemas na lavoura
O uso de sementes de qualidade é fundamental para assegurar o potencial de produção, garantindo o estabelecimento adequado da lavoura de grãos ou forragens. Uma lavoura de produção de sementes deve seguir uma série de normas e regras estabelecidas por legislação própria do MAPA, as quais atestam a qualidade das sementes, formada por atributos genéticos, físicos, fisiológicos e sanitários. Essas características vão garantir que o agricultor adquira sementes puras, sem misturas varietais ou com quaisquer outro material inerte, sadias e com bom potencial de estabelecimento das plântulas na lavoura.
Contudo, assim como a lavoura de grãos, a produção de sementes também sofreu com os impactos do clima em 2023. Entre os principais problemas que podem estar relacionados ao El Niño estão a menor qualidade fisiológica e a incidência de doenças.
Em função do clima adverso, as sementes podem estar infectadas com microrganismos que causam doenças nos cereais de inverno. Para evitar prejuízos, é indicado o tratamento de sementes com fungicidas que protegem a plântula da ação de agentes patogênicos, como fungos alojados no solo ou na própria semente. Dependendo do produto e a relação com a praga e doença visados, o tratamento de sementes nos cereais de inverno garante proteção das plantas contra fungos e pragas de solo por até 60 dias após a semeadura, favorecendo o desenvolvimento inicial da lavoura. “O tratamento de sementes vai viabilizar a qualidade sanitária da lavoura no início do ciclo da cultura, evitando o surgimento de focos iniciais de doenças e sua distribuição pela lavoura” avalia o pesquisador João Leodato Nunes Maciel, lembrando que o tratamento de sementes também deverá significar redução nas aplicações aéreas de fungicidas nas plantas em fases mais adiantadas de desenvolvimento, impactando nos custos da lavoura. Na comparação, o custo de tratamento de sementes com fungicidas representa de 30% menos do que o custo de uma aplicação aérea.
Além da qualidade, a quantidade de sementes é um critério que merece atenção na semeadura. É preciso evitar o uso de quantidades muito abaixo do ideal ou excessos que implicam em aumento de custos e podem resultar em acamamento. A orientação da Embrapa Trigo é verificar sempre a informação fornecida pela empresa que desenvolveu a cultivar (o obtentor), empregando a quantidade de sementes indicada, considerando variações de acordo com a região, a época de semeadura e o histórico da área.
“Estamos enfrentando um ano atípico, com muitos desafios ao produtor, que vai precisar mostrar profissionalismo para alcançar resultados positivos até o final da safra”, conclui o executivo da Apasem, Jhony Moller.
*Embrapa