A nova lei foi aprovada em caráter de emergência, tendo em vista a situação do país a partir da pandemia de covid-19, que tem deixado muitas famílias em situação de vulnerabilidade econômica e com dificuldades para aquisição de alimentos
A nova lei de combate a perdas e desperdícios de alimentos (Lei nº 14.016/20), sancionada pelo Governo Federal, autoriza estabelecimentos como bares, lanchonetes, cooperativas, restaurantes e supermercados a doarem alimentos para o consumo humano. Os alimentos podem estar prontos e poderão ser doados para o consumo de pessoas em situação de vulnerabilidade.
A lei foi aprovada em caráter de emergência, tendo em vista a situação do país a partir da pandemia de covid-19, que tem deixado muitas famílias em situação de vulnerabilidade econômica e com dificuldades para aquisição de alimentos e outros tipos de bens.
“O texto estabelece critérios de qualidade para os alimentos doados e define que o doador e o intermediário somente responderão nas esferas civil e administrativa por danos causados pelos alimentos doados se agirem com dolo. Assim, a responsabilidade do doador encerra-se no momento da primeira entrega do alimento ao intermediário ou, no caso de doação direta, ao beneficiário final”, esclarece o pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos Murillo Freire, especialista no tema há mais de 20 anos.
Para ele, a nova lei terá um papel importante em função da pandemia, que trouxe como consequências o aumento do desemprego e das desigualdades socioeconômicas e o isolamento social. No entanto, reconhece que ainda há lacunas que devem ser preenchidas a partir de uma análise sobre como a aplicação da lei se dará na prática.
“A legislação recém-lançada traz um alento para aqueles estabelecimentos que têm boas intenções em fazer doações de alimentos, pois a responsabilidade do doador vai até o primeiro receptor, o que não acontecia até então. Segundo a legislação até agora vigente, o doador poderia ser indiciado civil e criminalmente caso o receptor apresentasse problemas de saúde após a ingestão do alimento. Agora, o estabelecimento pode fazer a doação e sua responsabilidade cessa ali, no primeiro receptor. Além disso, o doador só será penalizado, em caso de problemas com a doação, se for comprovada a existência de dolo”, esclarece.
Assim como Freire, o analista da Embrapa Alimentos e Territórios Gustavo Porpino destaca que a nova lei é útil, mas projetos mais abrangentes, como o PL nº 5.958/2013, precisam continuar em tramitação. “Um dos desafios para a lei aprovada é como garantir a segurança dos alimentos prontos para consumo doados, já que ela permite a doação de alimentos preparados por restaurantes”, exemplifica.
Segundo o analista, para a lei contribuir com a redução do desperdício que ocorre nesses estabelecimentos, também é preciso conectar o varejo e a indústria com os bancos de alimentos e outras entidades que atendem pessoas de baixa renda. “O doador já arca com o custo de não ter comercializado o alimento e, normalmente, não possui meios para fazer a entrega do excedente a essas entidades.
Para Murillo Freire, será preciso definir melhor o público-alvo da lei e caracterizar com mais especificidade o que seria o excedente do alimento preparado. “A sanção da nova lei foi importante porque afastou o risco jurídico associado à doação, mas deixou alguns pontos passíveis de melhorias, que podem ser aperfeiçoados, inclusive com alguns projetos de lei que estão tramitando no Senado”, diz.
Contribuições da Embrapa
A Embrapa vem contribuindo tecnicamente e na formulação de políticas públicas de combate às perdas e ao desperdício de alimentos. Desde 2011, quando a FAO divulgou o relatório global sobre desperdício de alimentos, aumentou consideravelmente o interesse na formulação de políticas públicas nessa linha.
A FAO estimou que mais de um terço do alimento produzido no mundo era perdido ou desperdiçado. As perdas ocorriam no processo de produção, ao longo da cadeia, a partir das vendas no varejo ou como resultado do comportamento dos consumidores. O quadro, segundo o organismo internacional, agrava-se quando se compara com o número de pessoas que passam fome no mundo.
Em números atuais, ainda de acordo com a FAO, em 2019, uma em cada nove pessoas passavam fome no mundo. São mais de 820 milhões de pessoas, um quadro que deve se agravar com a pandemia de covid-19.
De acordo com o pesquisador Murillo Freire, foi constituído um grupo de trabalho coordenado pelo IBGE, no qual a Embrapa tem assento, para elaborar os indicadores nacionais para avaliar as perdas de 10 tipos de alimentos predominantes na dieta da população brasileira, com foco na mensuração de perdas nas seguintes cadeias produtivas (da produção da fazenda até antes do varejo): arroz, feijão, tomate, banana, cebola, batata inglesa, leite, ovo e café. “Não temos indicadores brasileiros, por isso estamos trabalhando na construção de uma metodologia para obtenção destes indicadores”, esclarece Freire. O primeiro produto para o estudo de caso será o arroz.
Além de Freire, participam do GT com o IBGE, os pesquisadores Antonio Gomes, Gilmar Henz, Valeria Hammes e o analista Gustavo Porpino.
Freire também atua como representante da Embrapa junto ao Comitê de Peritos da FAO para a América Latina e Caribe para a redução de perdas e desperdício de alimentos desde 2014. Atualmente, a FAO está trabalhando com os parceiros na construção do Código de Conduta para Perdas e Desperdícios de Alimentos para orientar a redução de perdas e desperdícios de alimentos globalmente.
Os representantes de mais de 30 países participaram virtualmente de diversas videoconferências para a construção do documento. A versão final foi concluída nesta terça-feira (30) e segue agora para validação na próxima reunião geral do Comitê de Agricultura da FAO. Gustavo Porpino e o pesquisador da SIRE, Gilmar Henz, também participaram da construção da proposta.
A elaboração dos indicadores nacionais, bem como a participação do Brasil na construção do Código de Conduta faz parte do compromisso assumido pelo Brasil, no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS), para o alcance da meta 12.3 da Agenda 2030 (reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita).
Texto Dulce Maria Rodriguez com informação da Assessoria
Fotos: Reprodução