“As exportações do agro cresceram 10% no primeiro semestre, em relação ao mesmo período de 2019, e totalizaram U$ 61 bilhões. O Brasil é o celeiro do mundo. Alimentamos nossos 212 milhões de habitantes e exportamos para alimentar mais de 1 bilhão de pessoas no mundo.”
Em entrevista exclusiva para o portal Agro Floresta Amazônia, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Tereza Cristina, fala sobre a importância do agronegócio para a economia e abastecimento do país, como o setor tem reagido à crise do novo Coronavírus e os incentivos que o Governo Federal tem oferecido aos pequenos e médios agricultores, investimentos em inovação tecnológica, sustentabilidade, agricultura digital e preservação ambiental da Amazônia.
Portal Agro Floresta Amazônia – Estamos começando a sair de uma crise epidêmica que gerou desemprego e prejudicou nossa economia. Em entrevista recente, a senhora afirmou que muitos vilanizam a agropecuária. Por que isso acontece e qual a importância do agronegócio para o Brasil?
Ministra Tereza Cristina – Essa é uma postura difícil de compreender por parte talvez de uma pequena parte da sociedade exatamente porque os fatos comprovam outra realidade. Com safra recorde de grãos e aumento nas exportações, o agronegócio brasileiro foi essencial para segurar a atividade econômica e o abastecimento desde o início da pandemia do Coronavírus.
Foi e é gerador de riquezas para o mercado interno, para as exportações e para o emprego. O agro brasileiro não deixou de empregar. Alguns setores até aumentaram o emprego durante este período difícil da pandemia.
As exportações do agro cresceram 10% no primeiro semestre, em relação ao mesmo período de 2019, e totalizaram U$ 61 bilhões. O Brasil é o celeiro do mundo. Alimentamos nossos 212 milhões de habitantes e exportamos para alimentar mais de 1 bilhão de pessoas no mundo.
A abertura de novos mercados foi imprescindível para manter o crescimento das vendas externas e diversificar a pauta, reduzindo a dependência da soja e das carnes. O Brasil passou a exportar alimentos para 50 novos mercados apenas em 2020 como resultado de negociações com parceiros comerciais. Desde 2019, já são mais de 80 novos mercados abertos para o agronegócio brasileiro.
Entre os produtos que passaram a ser exportados, estão laticínios (queijo, iogurte e leite em pó) para a China, castanha de baru e chá-mate para a Coreia do Sul, peixes para a Argentina, castanha para a Arábia Saudita e gergelim para a Índia.
Nossa agricultura mostrou, mais uma vez, a sua importância para o desenvolvimento do país, mesmo em situação adversa, cumpriu seu papel de guardiã da segurança alimentar com sanidade e sustentabilidade. Graças aos nossos produtores, trabalhadores rurais e entidades e empresas do setor, venceremos juntos essa pandemia.
Diferente de outros países, o Brasil não sofreu interrupções no funcionamento do setor. Isso foi e está sendo essencial para a normalidade do fluxo de abastecimento da nossa população.
O Brasil tem investido em inovação e tecnologia para voltar a crescer? De que tipo?
Sim. O Brasil tem investido fortemente em ciência, tecnologia e inovação para fortalecer cada vez mais sua trajetória de crescimento. Nós acreditamos que é com base neste tripé que promoveremos, de fato, o crescimento das nossas atividades econômicas. E na agropecuária isso não é diferente.
Hoje o Brasil investe, em média, algo em torno de 1,2% a 1,5% do PIB do agronegócio brasileiro em pesquisa de desenvolvimento e inovação. Somente na Embrapa foram investidos, nos últimos 2 anos, um orçamento que gira em torno de R$ 3,5 bilhões.
Ao investir em uma companhia como a Embrapa, que é a nossa âncora para desenvolvimento do agronegócio brasileiro, nós estamos investindo na geração de ativos de inovação.
A Embrapa hoje é a nossa grande liderança para desenvolver o agronegócio brasileiro e não para por aí. Temos também o trabalho da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – (Ceplac) e Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) que também desenvolvem e promovem inovação e tecnologia para o setor do campo.
E foi com base nesse pensamento que nasceu a Secretaria de Inovação e Desenvolvimento Rural, que tem, como princípio essencial, promover e desenvolver diretrizes para inovação do agronegócio brasileiro. Para isso, estamos trabalhando também na interface e na parceria com outros ministérios, como, por exemplo, as pastas da Ciência e Tecnologia e da Economia, bem como entidades vinculadas como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) que é parceira forte da agricultura em atividades e promoções da inovação do agronegócio brasileiro; e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que tem olhado com muito carinho e atenção para o nosso setor. Assim, com criação da Secretaria de Inovação, estamos promovendo alianças e trazendo a iniciativa privada para também investir no agronegócio brasileiro.
Por que é importante trazer o setor privado? O governo tem limite em sua capacidade de investimento; nós precisamos contar com o setor privado, não só para ajudar a investir e desenvolver a inovação e tecnologia do agronegócio, como também para facilitar e acelerar o desenvolvimento das tecnologias, produtos, processos e serviços que precisam ser disponibilizados para os nossos produtores, pecuaristas e produtores rurais como um todo.
Nos últimos dois anos, foram desenvolvidas centenas de variedades de novos materiais vegetais como cultivares, não só de grandes culturas como soja e milho, como também de pequenas culturas de mandioca, alface, tomate, frutas e da mesma forma desenvolvemos o sistema de produção melhorado, sistema de produção, inclusive, sustentável.
Recentemente, foi para o mercado o primeiro produto efetivamente sustentável da cadeia da carne. É o primeiro produto sustentável, fruto do desenvolvimento, da inovação e da tecnologia do Brasil, denominado carne carbono neutro, que teve um aporte forte de recursos e investimento da iniciativa pública por meio da Embrapa em parceria com a iniciativa privada.
Estamos avançando com a formulação de diretrizes estratégicas para inovação do agro. E uma delas é a diretriz de sustentabilidade, tema de grande relevância e importância para o agronegócio brasileiro. É por meio da sustentabilidade que podemos mais do que entregar e capturar valor; podemos desenvolver, aprimorar e cada vez mais fortalecer nosso agronegócio.
Bioeconomia é outra agenda muito forte em inovação. O Brasil tem a oportunidade ímpar no mundo em desenvolver de forma sustentável os seus ativos biológicos. Para isso, lançamos o Programa Nacional de Bioinsumos, que visa desenvolver uma agricultura de base biológica e atende à uma demanda da sociedade, produtores rurais e cadeias produtivas.
A agricultura digital é outro tema caro para nós. Lançamos neste mês, em parceira com Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e com os Ministérios da Economia e da Ciência, Tecnologia e Inovações, o Programa Agro 4.0. Essa ação representa exatamente o estímulo e o fomento para inovação por meio da agricultura digital para produtores rurais, cooperativas, empresas de pequeno porte que atuam no setor do agro. No mundo que vivemos hoje, não há mais como falar em avanço do agronegócio sem falar em agricultura digital.
Inovação e tecnologia é uma de minhas bandeiras e estou atenta a esse desenvolvimento porque só por meio da ciência, tecnologia e inovação que nós vamos continuar colocando o Brasil como protagonista do agronegócio moderno.
Quais incentivos têm sido oferecidos pelo Governo Federal para os pequenos e médios agricultores afetados com a pandemia?
Desde o início da pandemia, nossa pasta vem acompanhando a produção primária e a rede de abastecimento de alimentos para nossa sociedade nas diferentes partes do país. Nosso empenho sempre foi e será para não faltar alimentos à nossa população. Não tivemos e não teremos desabastecimento. Realizamos um acompanhamento diário de potenciais problemas e atuamos na busca das soluções. Nossas principais medidas foram:
- Lançar um canal de comunicação direto com os agricultores familiares e suas organizações, chamado “Perdas de Alimentos”, e atuar diretamente com estas demandas. Foram registrados cerca de 300 chamados, de várias partes do país, com algum tipo de problema de comercialização em função da Covid-19. Nossa equipe está entendendo os problemas, e, quando possível, direcionando estes produtos para os canais de compras públicas ou privadas. Públicas através dos programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e da Alimentação Escolar (PNAE) e privadas por meio de um acordo de cooperação técnica que mantemos com a Associação Brasileira de Supermercados;
- Realizar acompanhamento diário da oferta de alimentos no Brasil, nos Centros de Distribuição – Ceasas e nos supermercados (varejo);
- Publicar Portaria n. 116/2020, que especifica produtos, serviços e atividades essenciais para garantir o pleno funcionamento das cadeias produtivas de alimentos, bebidas e insumos agropecuários durante a pandemia do Coronavírus. Muitas decisões judiciais liberando estradas e funcionamento de indústrias se basearam nesta portaria. “Se não houver adubo, não tem milho, sem milho não há carne, não há ovo, não há leite”;
- Portaria de recomendação para o transporte de alimentos, definindo diretrizes para o transporte de alimentos com sugestões de ações de higienização para garantir a saúde dos trabalhadores. Essa medida também foi alinhada com os demais países da América do Sul;
- Participar da criação de uma plataforma de comercialização digital para agricultores familiares, suas organizações e agroindústrias, liderada pela Confederação Nacional da Agricultura – CNA (https://mercadocna.com.br/), como também de uma plataforma voltada para cooperativas, liderada pela Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB (https://www.cooperabrasil.coop.br/);
- Garantir a continuidade do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), mesmo com as escolas fechadas (são R$ 900 milhões por ano de alimentos comprados da agricultura familiar);
- Ampliar os recursos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) de R$ 130 milhões para R$ 630 milhões, para comprar estes alimentos apenas da agricultura familiar;
- Editar, em parceria com o Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), recomendações para o funcionamento das feiras livres em todo território nacional, pois estas são um importante canal de comercialização dos alimentos da agricultura familiar. Estas recomendações, foram, inclusive, utilizadas de modelo pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para toda a América Latina;
- Liberação do comércio de leite entre estabelecimentos SIM / CISPOA / SIF. Esta ação visa levar aos pequenos laticínios a possibilidade de venda de leite para laticínios maiores, pois os pequenos é que perderam venda, porém o consumo de leite UHT teve um aumento de 30% neste período;
- Prorrogar a validade das Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAPs), com objetivo de evitar a locomoção dos beneficiários até os órgãos e entidades emissoras na busca pela renovação, garantindo, assim, a continuidade do acesso às políticas públicas da agricultura familiar;
- Antecipar o pagamento do programa Garantia Safra para o mês de abril de 2020, para produtores de 149 municípios nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
- Prorrogar, por meio de resolução do Conselho Monetário Nacional, o pagamento das operações de crédito rural; a contratação de Financiamento para Garantia de Preços ao Produtor (FGPP); e criar linhas especiais de crédito de custeio ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf);
- Para a região atingida também pela estiagem, foi autorizada a renegociação de operações de crédito rural de custeio e de investimento, o financiamento no âmbito do Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias e foram criadas linhas especiais de crédito de custeio ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf);
- O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) prorrogou por até 60 dias, contados a partir do fim da vigência do Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), os prazos de vencimentos de débitos provenientes da concessão de modalidades do Crédito Instalação, títulos de domínio e parcelamentos administrativos.
- Solicitação ao Conselho Monetário Nacional à adaptação das regras para comunicação de perdas de beneficiários do Proagro diante da Covid-19. Por conta das restrições impostas pelo combate à disseminação do novo coronavírus, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou que os produtores rurais beneficiários do Proagro façam a comunicação de perdas de forma remota. Essa comunicação deverá conter todas as informações necessárias para obter o benefício do seguro. Poderão ser utilizados correio eletrônico, aplicativo disponibilizado pelo agente do Proagro ou outro canal que o agente do Proagro disponibilize para esse fim, inclusive contato por meio telefônico.
De que maneira se pode desenvolver o agronegócio na Amazônia sem agredir a floresta, mas produzir grãos, madeira manejada, pecuária de leite e de corte com sustentabilidade?
Nas últimas quatro décadas, o Brasil implementou, de foram geral, várias práticas agrícolas sustentáveis, como o plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e a fixação biológica de nitrogênio, conduzidas pelo Ministério da Agricultura. O plantio direto, por exemplo, foi adotado na produção de soja e milho, melhorando a fertilidade do solo e diminuindo o uso de fertilizantes químicos.
O Mapa tem trabalhado no sentido de fomentar cada vez mais o desenvolvimento de pesquisas, por meio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa, vinculada ao ministério) e parcerias com universidades, bem como a ampliação de crédito e assistência técnica e gerencial para os produtores rurais.
Nossa avaliação é que investimentos em inovação e tecnologia têm tornado a agropecuária brasileira uma das mais sustentáveis do mundo. É o aumento de produtividade, em áreas já abertas, que tem explicado o crescimento da produção. Ou seja, nossa linha de trabalho tem sido de valorizar o moderno conceito de abordagem integrada da paisagem.
Como tenho dito, agronegócio brasileiro não precisa das terras da Amazônia para ampliar sua produção. Por conta de todas as tecnologias que já empregamos, nosso agro tem crescido em áreas já desmatadas. Em 40 anos, área total utilizada por lavouras e florestas plantadas no país aumentou menos de 43%. No período, a produção agrícola cresceu quase 425%.
Os sucessivos aumentos de produção e produtividade, obtidos a partir da utilização de modernas tecnologias e práticas sustentáveis no campo, nos possibilitaram dar um passo avante no mercado de títulos verdes. No fim de junho, lançamos o Plano de Investimento para Agricultura Sustentável em parceria com a Climate Bonds Initiative (CBI), a principal autoridade mundial no tema e a única certificadora global de títulos verdes.
O plano foi elaborado para fornecer maior entendimento e visibilidade sobre o cenário de oportunidades de investimento verde no agronegócio brasileiro. O nosso propósito é que queremos ser protagonistas dessa nova tendência. Daí a importância de se fortalecer esse mercado de finanças verdes no Brasil, que é uma potência agroambiental, comprometida com a sustentabilidade.
A adoção do Código Florestal e das tecnologias preconizadas no Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC) têm sido vitais para a expansão de uma agricultura sustentável no Brasil. Por meio do aumento da produtividade agrícola e da adoção de boas práticas e tecnologias, apenas 7,8% do território brasileiro – 66 milhões de hectares – são destinados à produção agrícola. Ao somar as áreas de pastagem, o Brasil é líder na produção de alimentos, fibras e energia utilizando apenas 29% do território para a agropecuária.
Cabe destacar que trabalhar a intensificação sustentável com o Código Florestal, uma das legislações mais rigorosas e modernas do mundo, é trabalhar a produção agropecuária em uma abordagem integrada com a preservação ambiental. Da área total do Brasil, 66% ainda é vegetação nativa.
De acordo com dados da Embrapa Territorial, dessa área total, 25% é área preservada dentro das propriedades rurais. A agropecuária é parte da solução para um crescimento sustentável do país.
Preservar o meio ambiente é uma condição fundamental para o agricultor e ele está cada vez mais consciente sobre isso.
Priscilla Torres
Correspondente de Política em Brasília
Fotos: Antônio Araújo (Mapa) / Carlos Silva (Mapa) / Reprodução