De olho nos investimentos da China no Brasil, entenda

O gigante asiático se tornou o maior investidor externo do país. Entre 2003 e 2019 colocaram US$ 71 bilhões, ou 37,3% do total investido por estrangeiros. A tendência é a retomada da agenda de privatizações o que desperta ainda mais seu apetite pelo Brasil

Como segunda maior potência econômica do planeta, a China tem espalhado seus interesses por todo o globo. E o Brasil não poderia ficar de fora, pois estamos falando do maior, mais rico e mais populoso país da América Latina.

Governada pelo Partido Comunista, a pujança das empresas chinesas vem do poder estatal que controla a maioria. Boa parte do apetite dos chineses no setor de infraestrutura, agricultura e energia do Brasil é pela demanda insaciável por recursos estratégicos fundamentais para a sua explosão econômica e domínio político. O objetivo do Estado é garantir que possam importar alimentos e outras commodities necessárias para sua população. Algo fácil de se entender, com seu 1,3 bilhão de habitantes.

No Brasil, o gigante asiático se tornou o maior investidor externo do país. Segundo dados divulgados em 2019 pelo Ministério das Relações Exteriores, entre 2003 e 2019 os chineses colocaram US$ 71 bilhões, ou 37,3% do total investido por estrangeiros. Os dos EUA foram de US$ 58 bilhões, apesar do maior número de projetos. O terceiro lugar é dos investimentos japoneses.

Apesar de menores em número de projetos, os chineses já investem mais no Brasil do que americanos ou japoneses e canadenses, cuja presença no país já está estabelecida há décadas. Diferente dos americanos também, chineses têm atuado no país, por meio da compra de participações em projetos locais, seja majoritária ou minoritária. Do total investido por chineses, apenas 11% foram destinados a projetos novos.

Setores de investimentos chineses

A região Sudeste (56%) respondeu por mais da metade dos empreendimentos do gigante asiático em território nacional, seguido pelo Nordeste (17%) e pelo Centro-Oeste (17%). Sul e Norte atraíram 6% dos investimentos.

Na análise por Estado, São Paulo liderou a lista, somando 44% de todos os investimentos no país. Rio de Janeiro, Goiás, Maranhão, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Ceará e Amazonas ficaram entre as Unidades da Federação melhor posicionadas quanto ao interesse dos chineses.

Segundo a publicação, os Investimentos Chineses no Brasil 2018, do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) uma boa maneira de entender melhor os interesses das empresas chinesas no Brasil é considerando as áreas preferenciais nas quais elas estão investindo.

Infraestrutura

Uma tendência é crescerem os investimentos chineses em infraestrutura, mais especificamente em áreas como logística, transporte, armazenamento e construção civil. São setores em que a China tem uma grande expertise e nos quais os investimentos poderão beneficiar o Brasil como um todo – o setor privado e a qualidade de vida da população.

Terminal de Contêineres do Porto de Paranaguá (PR)

Portos

Em 2017 por exemplo, a China Merchants Group, uma companhia controlada pelo governo chinês listada em bolsa, pagou R$ 2,8 bilhões pelo Terminal de Contêineres do Porto de Paranaguá (PR), o segundo maior do Brasil. Em 2020, fundos estatais assumiram parte do negócio.

Também na área portuária, um setor que tem crescido em interesse por parte do governo chinês, a estatal China Communications Construction Company (CCCC), está investindo R$ 2 bilhões para construir um porto no Maranhão (MA), formando assim duas rotas de escoamento da produção agrícola brasileira, ao sul e ao norte do país.

A mesma CCCC neste momento está negociando um novo projeto, desta vez em Santa Catarina, também para a área de grãos, como em São Luís. O valor envolvido é da ordem de R$ 1 bilhão.

Vale lembrar que problemas atuais de infraestrutura, como rodovias de má qualidade, falta de ferrovias e portos em bom estado e baixa capacidade de armazenamento de grãos impedem os números do agronegócio serem ainda maiores.

E a China, como sabemos, é um dos principais destinos dos produtos agrícolas brasileiros, portanto, um país com interesse direto na melhora dessa infraestrutura. No acumulado de 2020, as exportações do Brasil somaram US$ 209,92 bilhões e a China lidera o ranking de parceiros, atingiram US$ 70,08 bilhões.

Tendo comprado a empresa de engenharia Concremat, a CCCC investe ainda em energia eólica, e no que depender do governo paulista, disputará concessões em rodovias.

Também na área de infraestrutura, a estatal State Grid, maior transmissora de energia chinesa, assumiu o controle da CPFL, pagando em 2017 US$ 4,5 bilhões por 54% da empresa, que possui capital aberto. A mesma State Grid tentou, sem sucesso, uma oferta para comprar a totalidade das ações.

Ferroviárias

Em 2019, o governador do Pará, Helder Barbalho, assinou, um protocolo de intenções para estudos de viabilidade econômica de implantação e exploração do projeto da Ferrovia Pará, entre os municípios de Marabá e Barcarena. A cooperação, firmada em Brasília (DF), no valor de R$ 7 bilhões, envolve a empresa China Communication Construction Company (CCCCSA), controladora da brasileira Concremat.

A malha ferroviária proposta irá interligar 492 km, de Marabá ao Porto de Vila do Conde, em Barcarena, no nordeste do Estado, a municípios do sudeste paraense, como Marabá e Parauapebas, e de lá até Açailândia, no Maranhão, com a Ferrovia Norte-Sul. Com isso o escoamento da produção brasileira vai se viabilizar pelo Pará, onde o custo será mais baixo com uma ferrovia ligando ao porto de maior importância.

Na Amazônia Legal

A Ferrogrão é uma linha ferroviária que cruzará a Amazônia para acelerar a exportação de sua enorme safra de grãos. São quase 1.000 quilômetros que parte de Sinop, no Mato Grosso, o coração do agronegócio brasileiro, até o porto de Miritituba, no rio Tapajós, para o carregamento da soja, milho e outras commodities através do Atlântico.

A construção do Ferrogrão, considerada estratégica pelo governo de Jair Bolsonaro em um país com poucas ferrovias por causa do poderoso ‘lobby da rodovia’, será licitada no primeiro trimestre de 2021 e começará a operar em 2030, segundo o governo.

O projeto resulta em grande parte da demanda insaciável da China por matéria-prima fundamentais para a sua explosão econômica e domínio político, tem impacto direto no chamado Arco Norte – que abrange os estados de Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão. Terá um investimento de R$ 8,4 bilhões, que o governo espera captar com recursos externos.

“É um projeto altamente viável, vai reduzir o custo do frete entre um 30% e um 35%, e a metade do tempo de transporte”, disse Edeon Vaz, diretor-executivo do Movimento Pro Logística do Mato Grosso e lobista deste projeto em Brasília.

Para organizações indígenas e ambientalistas, o ‘Ferrogrão’ é mais um símbolo do avanço imparável da fronteira agrícola do Brasil, maior produtor mundial de soja, na já devastada Floresta Amazônica.

Segundo o projeto, a ferrovia não invadirá áreas indígenas e a única unidade de conservação por onde passará é o Parque do Jamanxim, mas o fará por uma faixa já aprovada pelo Congresso para a passagem da BR-163.

O presidente Jair Bolsonaro e o presidente chinês, Xi Jiping

De acordo com Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o escoamento de soja pelo chamado Arco Norte – que abrange os estados de Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão – teve aumento de 172,4% entre os primeiros semestres de 2012 e de 2017. Dados do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil mostram que o Arco Norte escoou 23,8% das 96,9 milhões de toneladas de grãos produzidos no país na safra 2016/2017. Desse total, somente o corredor Tapajós escoou 2,67 milhões de tonelada

Usinas no Tapajós

A construção de usinas no Tapajós pode estar articulada com outros interesses chineses na região amazônica. A energia de baixo custo poderia ajudar o estabelecimento de projetos de mineração, outro setor de interesse dos chineses, segundo o livro Brasil “Made in China”, da socióloga Camila Moreno.

A autora aponta que o Tapajós abriga reservas minerais cada vez mais procuradas pelo país asiático. “Nos últimos anos, houve uma disparada na descoberta de novos garimpos, e atualmente a região é a grande promessa de fronteira para exploração de diamantes.”

Associadas à construção de eclusas, a série de usinas poderia, ainda, baratear o escoamento da soja brasileira comprada pelos chineses. A hidrovia Tapajós-Teles Pires ligaria as plantações de soja do Mato Grosso por via fluvial até o rio Amazonas, que por sua vez desemboca no porto internacional de Belém, no oceano Atlântico. O novo projeto também poderia ser complementado com o canal da Nicarágua, que a China trabalha para abrir naquele país, ligando os oceanos Atlântico e Pacífico e encurtando a rota da soja brasileira até a Ásia.

Além da integração pelos rios da região, a China também avança com outros corredores de exportação por terra. As estatais chinesas Cheng Dong International e China Harbour têm o projeto de interligar o Suriname a Manaus, incluindo um porto de águas profundas, uma rodovia e uma ferrovia, reduzindo a necessidade de navegação fluvial. A autora afirma que esses investimentos sinalizam a entrada definitiva da China na região Amazônica.

Bacia do Tapajós

O Polo Industrial de Manaus

O Polo Industrial de Manaus (PIM) é a ponta de lança industrial dos chineses,que vão ampliar seus negócios no Amazonas, principal plataforma de investimentos que terá acrescentada à sua estratégia a bioeconomia,com foco nos fins farmacêuticos,tanto na tradicional Medicina Chinesa,através das ervas amazônicas (maior acervo natural do mundo), como da alta química farmacêutica,que passa pela fabricação de remédios e vacinas, com base nos ativos vegetais e animais da maior floresta tropical do planeta.

Setor agrícola

No ramo agrícola, a China foi o destino final de 33,7% de todas as exportações realizadas pelo agronegócio brasileiro em 2020, gerando uma receita de US$ 33,988 bilhões.  Em 2019, a participação chinesa nas vendas externas do setor foi de 32,0%.

O protagonismo da China no comércio exterior do agronegócio supera a soma dos outros 13 principais mercados para os produtos agrícolas brasileiros, os Estados Unidos entre eles.

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pelo Ministério da Agricultura, as exportações do setor no ano passado totalizaram US$ 100,8 bilhões, 4,1% mais que em 2019 e segunda melhor marca da série histórica, atrás apenas dos números registrados em 2018.

Entre os dez principais produtos exportados pelo agronegócio brasileiro, a China foi o destino final de sete: soja em grãos, carne bovina in natura, açúcar de cana em bruto, celulose, carne de frango in natura, algodão não cardado nem penteado e carne suína in natura.

Os dados indicam também um forte aumento das exportações de carnes para a China, com destaque especial para a carne bovina in natura. As vendas totais do produto atingiram a cifra recorde de US$ 7,5 bilhões, dos quais 54,2%, ou US$ 4 bilhões foram gerados pelas exportações para o mercado chinês.

Aumento expressivo foi registrado também nas exportações de açucar, com as vendas externas totalizando US$ 7,4 bilhões, com US$ 1,3 bilhão tendo como destino final o país  asiático.

Além disso, os chineses são sócios majoritários com 53,4% da Belagrícola, produtora de máquinas e equipamentos paranaense com faturamento de R$ 6 bilhões, 1.250 funcionários e 1,5 milhão de toneladas de soja, milho e trigo em capacidade de estocagem. Outros investimentos incluem ainda a Fiagril, adquirida em 2016 pelo mesmo grupo, o DKBA.

Na parte estatal, entretanto, a China possui um foco relativamente bem definido: trata-se de criar e garantir infraestrutura para que os chineses possam importar alimentos e outras commodities necessárias para sua população. São investimentos legítimos, e bem-vindos em um país que carece tanto de infraestrutura. 

É preciso, entretanto, ter uma certa cautela quando falamos em facilitar a exportações de commodities para a China. Apesar dos dólares que entram aqui, gerando renda e consumo para a população, a questão ambiental não pode ser desconsiderada, não há investimento externo que compense os possíveis danos à imagem brasileira.

Setor de energia

Nos últimos anos, o setor de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica foi, de longe, o que mais recebeu investimentos chineses no Brasil. Só em 2018, foram 13 projetos confirmados na área.

Para fins de comparação, o segundo setor com mais investimentos no Brasil foi o de tecnologia da informação, com apenas três.

Outra gigante de energia, a CTG, China Three Gorges – dona da usina de 3 gargantas, a maior do planeta – adquiriu o controle de 14 hidrelétricas, além de participação de outras 3 divididas em dois complexos: Paranapanema (SP)e Sapucaí-Mirim (MG).

A empresa, que venceu o leilão de privatização da CESP, é hoje a segunda maior geradora de energia com capital privado do país. Por meio da EDP, a CTG também possui 11 parques eólicos no país.

Juntas, a State Grid, CTG, além da State Power Investiment Corporation (SPIC), controlam 15,6 mil MW, ou 10% de toda produção brasileira de energia. Ambas as empresas são ainda fortes concorrentes em projetos de privatização, como os da Eletrobras e Cemig.

Na área de petróleo a Corporação Nacional Chinesa de Petróleo (CNPC) controladora da PetroChina, é sócia da Petrobras no pré-sal, graças à aquisição conjunta no leilão do campo de Libra (SP). Outra estatal chinesa, a CNOOC, também é sócia no campo (ambas com 10% cada).

A empresa busca ainda retomar a construção do Comperj, complexo petroquímico da Petrobras no Rio de Janeiro.

Hidreléctrica Paranapanema (SP)

Mineração

A China é conhecida por sua imponente indústria siderúrgica, sendo a maior produtora de aço do mundo. Por isso, além do já citado interesse nos produtos agrícolas brasileiros, também fica de olho na mineração.

Nos últimos anos, os investimentos nessa área arrefeceram, mas, em 2010, a chinesa ECE comprou a mineradora Itaminas por mais de US$ 1 bilhão. No mesmo ano, a Passagem Mineração quase foi vendida para a Wisco.

Em 2018, surgiu a notícia dos planos do governo chinês de transferir suas indústrias siderúrgicas para o litoral da China, o que beneficia as mineradoras brasileiras por facilitar a logística, com rotas de navegação.

Itaminas(MG)

Setor tecnologia

A indústria de tecnologia da China hoje é capaz de competir até com a americana. Isso vale não apenas para as empresas que produzem aparelhos, drones, baterias, etc., mas também para as startups que desenvolvem serviços que facilitam a vida da população.

Um exemplo de investimentos desse tipo no Brasil é a compra da 99 pela chinesa DiDi. Em 2018, também foi anunciado o investimento de US$ 200 milhões da chinesa Tencent na fintech brasileira Nubank. Vale citar também a presença da controversa Huawei no país, empresa avançada no desenvolvimento da tecnologia 5G.

A HNA por exemplo, comprou em 2015 cerca de 23,7% da Azul Linhas Aéreas. Em outra investida no ramo, a empresa comprou uma participação minoritária no aeroporto do Galeão.

Parcerias também estão na lista dos chineses, como no caso daquela firmada com a Rede Bandeirantes, dona da emissora de TV e rádios no país. A empresa fechou um acordo para produção de conteúdo junto a estatal chinesa China Media Group.

A estatal chinesa também assinou um acordo de coprodução e uso da tecnologia 5G com a Rede Globo.

As aquisições

Shanghai Pengxin Group e Fiagril: em 2016, o consórcio chinês Shanghai Pengxin Group adquiriu 57% da Fiagril Ltda, empresa do ramo de insumos agrícolas e grãos

China Three Gorges e Duke Energy: a Duke Energy é americana, mas tem uma operação brasileira proprietária de usinas hidrelétricas no estado de São Paulo. Em 2016, foi adquirida pela chinesa China Three Gorges

State Grid e CPFL Energia: em janeiro de 2017, anunciou-se que a CPFL Energia, maior grupo privado do setor elétrico brasileiro, passou a ser controlado pela chinesa State Grid, que adquiriu 54,64% de sua participação acionária.

CCCC e Concremat: em 2017, a Concremat, maior companhia de engenharia consultiva do Brasil, passou a fazer parte do grupo China Communications Construction Company (CCCC)

Fosun e Guide Investimentos: em setembro de 2017, o grupo chinês Fosun fechou a compra de 69,14% da corretora e plataforma Guide Investimentos

DiDi e 99: em março de 2018, a empresa chinesa de aplicativos de transporte DiDi comprou a startup brasileira 99 por cerca de US$ 1 bilhão.

BYD: essa pode não ser uma marca muito conhecida no Brasil, mas é a maior produtora de baterias e veículos elétricos do mundo. Possui fábrica em Campinas e, em 2018, assinou um acordo para a construção de um sistema de monotrilho em Salvador

Chery: a primeira fábrica dessa montadora de automóveis fora da China foi inaugurada no Brasil, em 2014. Seus veículos se destacam aqui por seu preço extremamente competitivo

PetroChina Company: nada menos que a maior petrolífera da China e maior do mundo em valor de mercado, a PetroChina já comanda milhares de postos de combustível no Brasil. Em 2018 adquiriu 30% de participação na TT Work, grupo brasileiro de distribuição de produtos petrolíferos

Lenovo: é uma das empresas que mais vende computadores no Brasil e no mundo. O complexo industrial da empresa no país fica em Itu, no interior do estado de São Paulo.

Midea: uma das maiores fabricantes de eletrodomésticos (em especial condicionadores de ar) do mundo, a Midea está presente no Brasil e, recentemente, lançou um site próprio no país, começando a vender diretamente para o consumidor final.

Por Dulce Maria Rodriguez

Fontes: Ministério da Economia, Conselho Empresarial Brasil-China, Inesc, FIA, Infomoney

Fotos: Divulgação

Post Author: Agro Floresta

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