No Brasil aprendi a gostar do novo e valorizar minhas vitórias e conhecimentos
Reconheço que, embora anseie ver a colina de Ávila em Caracas e mergulhar nas praias de Chichiriviche, agora aprecio a paisagem da selva amazônica e a tranquilidade do Rio Negro. Eu não consigo imaginar pegar um avião para a Venezuela no dia seguinte à saída de Nicolás Maduro do poder. Agora eu só quero aprender a viver feliz em Manaus, minha nova cidade. Uma cidade que ainda depois de dois anos para mim é difícil.
Ao migrar, eu não levei meus objetos pessoais queridos. Eu também não levei meu carro, nem todas as minhas roupas. Nem meus álbuns de fotos que contam a história de família. Porém, o que mais oprimiu meu coração quando sai da Venezuela foi deixar meus afetos. Deixar minha família, amigos e colegas de trabalho com quem lutei pela democracia de meu país. Eu sai com minha vida em apenas duas malas, com meus dois filhos, Andrés e Diego, e a fé em Deus que conseguiríamos uma vida melhor a longo prazo.
Eu estava bem na Venezuela
Eu morava relativamente bem na Venezuela, apesar das circunstâncias. Estou ciente que a minha história não é a mais trágica da diáspora. Lá, eu era uma jornalista de economia com sucesso, trabalhei em dois dos principais jornais do país: El Nacional e TalCual. Além disso, era repórter freelancer para vários veículos digitais. Eu costumava procurar as notícias na rua e conduzir entrevistas para escrever matérias relacionadas com microeconomia. Pelo meu trabalho, ganhei o prêmio da Câmara Venezuelana Americana e fui entrevistada várias vezes pela CNN em Espanhol.
Estudei muito. Eu sou formada pela Universidade Central da Venezuela em Comunicação Social, com mestrado em jornalismo pela Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, onde morei por dois anos.
Quando o jornal El Nacional foi a falência, passei a trabalhar na ONG “Transparência Venezuela” e combater a corrupção do governo, tornando visíveis suas medidas ilegais, as quais eu acredito os levarão para cadeia algum dia. Foi uma experiência muito gratificante!
Eu residia em um apartamento próprio no Cafetal, um bairro nobre de Caracas, a capital da Venezuela. Andrés meu filho mais velho, estudava na Universidade Simón Bolívar, que já foi uma das melhores da América Latina; e Diego, meu filho mais novo, estudava em um colégio privado de excelência acadêmica, porém, eu estava frustrada! Com o socialismo, eu perdi a minha qualidade de vida , tranquilidade e liberdade econômica, porque o país transitava pela maior crise política, social e econômica da história.
Até aqui
Eu tive vários avisos dizendo que eu tinha que sair do país. O primeiro deles foi a respeito do futuro dos meus filhos. Com os protestos nas ruas, Andrés tinha ficado dois meses sem aulas. Diego, acabava de se formar no ensino médio e eu não tinha condição de pagar uma universidade privada. Eu trabalhava de domingo a domingo para três veículos de imprensa, porém, o dinheiro se diluía frente a maior inflação acumulada do mundo: 2.000%.
O segundo aviso foi o dos quadris de minha mãe. Foi muita luta para conseguir fazer os exames pré-operatórios e a medicação. Nem reativos havia nos laboratórios. Tive que até pedir apoio em uma ONG. Foi uma situação absolutamente indigna. Logo chegou o terceiro aviso, a minha pressão subiu na cobertura dos protestos contra Maduro. Me falaram que era emocional, mas como eu não ficaria comovida com a morte de 30 jovens que apenas lutavam pela democracia? Pelas pessoas pegando lixo nas ruas para comer? e os supermercados vazios. Tive dois derrames nos olhos e fui avisada pelo doutor que poderia acontecer com uma veia no meu cérebro e poderia ficar em estado vegetativo.
A Venezuela socialista tornou-se muito cruel. Eu estava vivendo em uma situação de enorme vulnerabilidade, sem perspectivas de futuro para meus filhos.
Se perde tudo
Cheguei em Manaus em agosto de 2017. Assim, de um apartamento de 150 metros quadrados, com vista para a montanha mais bonita da Venezuela, fui para um apartamento quase sem móveis no qual a temperatura excedia 40 graus. O proprietário era um brasileiro de quem eu estava apaixonada, mas ele me traiu e virou as costas. Porém essa é outra história…
Me custou muito a adaptação. Tive que me reinventar. A Dulce jornalista de economia se tornou corretora de imóveis. Durante o primeiro ano estudei muito, fiz supletivo de ensino médio, aulas de português e curso de técnico em transações imobiliárias.
Trabalhava duro, aos sábados e domingos marcava plantão para não ficar magoada em casa. Passaram oito meses sem eu ganhar nada de dinheiro, vendia apartamentos com entrada financiada e não recebia a comissão. Estava desmotivada e desesperada. Enviei muitos currículos e nas entrevistas me dispensavam porque não tinha experiência no Brasil (grande
absurdo), ou pelo meu sotaque ao falar.
Aquele brasileiro foi embora de nossas vidas e eu me questionava se havia sido o melhor migrar para o Brasil. Com o tempo, percebi que estava alcançando meus propósitos como migrante. Meus dois filhos estudam, tem emprego e falam três idiomas. Com a imigração eles amadureceram e eu fiquei mais forte!
Agora, vivemos sem agitação política, sem protestos, sem hiperinflação, com supermercados lotados de comida e farmácias abastecidas. Aprendemos a apreciar o novo e valorizar nossas vitórias, conhecimentos e as oportunidades. Ainda é difícil, porém meu sonho de ser jornalista no Brasil começa a vislumbrar-se. Só gratidão aos jornalistas Antonio Ximenes e Cinthia Guimarães pela oportunidade de formar parte do grande equipe de profissionais da revista Floresta Brasil. O melhor ainda está por vir!

Dulce Maria
Jornalista