Comunidades tradicionais se antecipam à seca da Amazônia com ações de adaptação à crise climática

As mudanças climáticas estão intensificando fenômenos naturais e impactando não apenas as populações urbanas, mas também as comunidades rurais, com especial ênfase nas populações indígenas, quilombolas e agricultores familiares. É crucial reconhecer a vulnerabilidade desses grupos diante das alterações climáticas extremas. Eventos como furacões, secas prolongadas e incêndios florestais, que fazem parte do que chamamos de emergência climática, estão se tornando uma realidade crescente em vários países. Esses eventos afetam de forma desproporcional as comunidades mais vulneráveis, frequentemente, as que menos contribuíram para a crise climática.

Em 2023, a seca prolongada trouxe uma série de dificuldades para as comunidades locais, afetando o manejo de recursos naturais como a coleta de castanhas e a produção de frutas, além de comprometer a pesca, causar perdas na produção agrícola e dificultar a locomoção.

Para 2024, espera-se uma estiagem ainda mais severa do que a do ano anterior, o que intensifica as preocupações com os impactos futuros. Esses impactos prometem ser significativos tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico, impondo desafios adicionais às cadeias produtivas em diversos biomas.

Para Andreia Bavaresco, indigenista com mais de 20 anos de atuação com populações tradicionais e coordenadora executiva do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), o papel das comunidades tradicionais é fundamental para enfrentar os desafios dos desequilíbrios ambientais que impactam a rotina e a vida das comunidades, bem como a produção de alimentos, a mudança no calendário de rituais dos povos indígenas e a educação de novas gerações na transmissão dos conhecimentos ancestrais.

Com informações sobre os impactos, é possível traçar as estratégias de enfrentamento e sugerir formas de mobilizar recursos financeiros adequados. Algumas iniciativas já estão se formalizando, como é o caso da plataforma Povos e Comunidades Tradicionais para as Américas. Por meio dela, as comunidades indígenas conquistaram um espaço nas negociações de grandes chefes de estado, sendo este um mecanismo de voz para aqueles que vivem na pele os impactos negativos dessa nova realidade climática.

A antropóloga e indigenista da OPAN/projeto Raízes do Purus, Cristabell Lopez, nos conta que o povo indígena Paumari, localizado em Lábrea/AM, sofreu diferentes impactos em seu cotidiano em 2023. Por conta da longa estiagem e do calor extremo, o fogo tomou conta da região, afastando suas caças e impactando seus horários de trabalho na agricultura. “Antes dava para trabalhar no roçado até meio dia, mas com o calor e a seca extremos, só era possível permanecer até as 10 da manhã, aumentando os dias de trabalho. Houve também, impacto na saúde dos indígenas, que tiveram mais casos de gripes e alergias”, conta Cristabell.

No manejo do pirarucu do povo indígena Paumari, a seca extrema ocasionou aumento em 20% no custo operacional da pesca, a seca nos rios afastou os peixes e prejudicou o escoamento, forçando a comunidade a traçar novas rotas, mais longas. Como consequência, houve o aumento dos custos e a queda no alcance da meta inicial, que passou de 600 para 495 peixes. Este foi um dos principais impactos para os Paumari. Por conta das previsões para 2024, a comunidade está pensando em não realizar a pesca este ano. “Não sabemos como serão as adaptações aos impactos das mudanças com relação à geração de renda e abastecimento dessas comunidades. Os desafios são grandes e percebemos que hoje nada é previsível”, destacou Cristabell.

Os impactos mexem no dia a dia, na renda e nas tradições das comunidades indígenas e como solução há a importância das parcerias, do diálogo e da troca de conhecimento por meio de intercâmbios, para que encontrem soluções conjuntas de acordo com suas realidades.

A especialista do IEB apontou estratégias e mecanismos que podem contribuir para esses desafios climáticos, como o de ocupar espaços políticos, apresentar sugestões de promoção da justiça climática, de mobilização e uso adequado dos recursos financeiros, a valorização do conhecimento e as experiências das comunidades tradicionais na construção de soluções climáticas, sustentáveis e inclusivas. Por fim, ressaltou a importância de uma atuação de base comunitária e o protagonismo da mulher como um fato a se destacar para o enfrentamento à crise climática.

Maria Josefa Machado Neves, a Dona Josefa, comunitária produtora de polpas de frutas e presidente da Associação de Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas de São Félix de Xingu (AMPPF), apoiada pelo Programa Floretas de Valor do Imaflora, patrocinado pelo Programa Petrobrás Ambiental, relata que a seca de 2023 impactou sua produção de frutas, com a redução de 60% na produção de suas polpas, comparado a 2022. Ela conta que essa mudança trouxe queda na renda e na qualidade de vida de sua família. Além da falta de chuvas, a produtora ainda sofreu com a água contaminada com agrotóxicos, porém, após a implantação de um sistema de irrigação e recuperação das nascentes de sua propriedade, sua produção agroflorestal (SAF) está garantida, podendo ser um bom exemplo para outras comunidades. “Onde tem água, tem vida”, finalizou dona Zefa.

O Programa Florestas de Valor 

O Programa Florestas de Valor do Imaflora, conta com patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, desenvolve projetos que disseminam e fortalecem técnicas de produção sustentáveis na Amazônia brasileira. Fomenta a restauração florestal, estrutura cadeias da sociobiodiversidade e negócios comunitários, contribuindo com a fixação e manutenção de estoques de carbono, bem como com a geração de renda a partir de atividades sustentáveis para manter a floresta em pé e valorizar as populações tradicionais guardiãs do patrimônio socioambiental.

*com informações do IMAFLORA

Post Author: Bruna Oliveira

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