Como era a vida de um capataz, aos olhos de um gaúcho com 85 anos de idade, o que ele fazia nos seus dias na estância

O capataz de uma estância é aquela pessoa que comanda os peões, como se fosse um gerente que comanda todas as lidas campeiras.

É o responsável direto pela organização do trabalho e pelo sucesso da estância, antigamente atuavam como médicos veterinários e negociadores de gado também. O capataz tem que ter muita habilidade para tratar com os peões, ter iniciativa, vontade, humildade, bom senso e educação para lidar com as pessoas.

Aqui no Rio Grande do Sul  a estância foi criada pelo padre jesuíta Cristóbal de Mendonza Orellana, quando em 1634, preocupado com a fome que atingia as Missões, trouxe da Argentina mil cabeças de gado bovino. Este gado foi distribuído em estâncias, e os índios foram treinados para andar a cavalo e eram chamados de vaqueiros,  mais tarde passaram a serem chamados de peões e capatazes das estâncias.

Nossa entrevista de hoje é com Gelso Rech Silveira, que tem 85 anos, natural de São Francisco de Assis – RS, e sua profissão era capataz de estância.

 

“…Quando eu era capataz eu comandava os peões, geralmente eram três peões e um caseiro na estância. Eu levantava cedo, fazia um chimarrão e depois tomava um café junto com os peões, dependendo do dia eram feitas as obrigações.

Às vezes, tínhamos que dar remédio para as ovelhas, vacinar o gado e uma coisa que tínhamos que fazer diariamente era camperear o campo, verificar o gado se estava tudo certo, principalmente quando estavam produzindo, nessa época tínhamos que camperear de manhã e de tarde, porque podia ter trancado um terneiro ao nascer e era nossa obrigação fazer isso. Quando o terneiro nascia,  fazíamos a marca da vaca no terneiro pra saber de quem ele era filho e nas ovelhas também…

“…Os peões recorriam as cercas pra ver se estava tudo certo, contavam o gado para verificar se estavam todos ali, alguns peões trabalhavam com cordas, faziam rédeas, cabresto e buçal.

Eu trabalhei com corda fazendo canga para os bois, onde colocava a canga em dois bois pra puxar a carreta ou o arado, fazia esse trabalho quando eu era peão. Ao meio dia voltávamos para almoçar, tinha a cozinheira que fazia a comida e quando não tinha ela, era um peão ou eu mesmo que cozinhava, fazia um arroz de carreteiro, feijão, mandioca, batata. No café da manhã,  quando tinha cozinheira ela fazia o pão caseiro, senão comprávamos bolacha ou fazíamos bolinho de chuva…”

“…Descansávamos depois do almoço e depois seguia a lida campeira novamente. Quando eu tinha que inseminar, eu pegava um peão para me ajudar a ajeitar as vacas e inseminar. Eu gostava muito do meu trabalho, fazia tudo com muito gosto e vinha para a cidade 2 ou 3 vezes no mês.

No lugar tinha poucas árvores frutíferas, apenas limão, laranja e bergamota. Tinha galinhas e porcos, mas era o caseiro que cuidava deles. Passei minha vida em cima do lombo de um cavalo.

Participei do “Desfile do Gaúcho” até meus 81 anos, sempre tive muito orgulho e honra de desfilar nesse dia, passava o ano todo cuidando do meu cavalo. Hoje em dia,  sinto muita falta de desfilar e de andar a cavalo, mas as minhas pernas não estão mais fortes para isso…”

 

 

“…Sou filho de São Francisco

Um município progressivo

É por castigo que vivo

Em outros pagos alheios

Se perguntar se eu peleio

Digo: todo franciscano peleia

Conforme o carteio…”

(Poesia de Gelson Rech)

 

Escritora

Márcia Ximenes Nunes Chaiben

Post Author: Márcia Ximenes Nunes

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