No passado, a corrida expansionista liderada por países ibéricos buscava em terras distantes a solução para o esgotamento de seus recursos naturais e minerais. Agora, o mundo acelera os motores, mas desta vez para garantir cada um a sua parte na divisão do espaço marítimo, onde se esconde imensurável fonte de riqueza. Nessa partilha, o Brasil trabalha para assegurar sua fração, que corresponde a 67% ou 2/3 de todo o território continental. Trata-se da Amazônia Azul, região que se estende por 5,7 milhões de quilômetros quadrados a partir da costa.
Recentemente, o assunto ganhou destaque, quando a Amazônia Azul pautou uma das questões do vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), segunda melhor universidade brasileira de acordo com levantamento do QS World University Rankings 2025. A extensa faixa marítima a que dá nome também foi incluída na última revisão do Atlas Geográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e nos mapas exibidos nos telejornais da CNN Brasil, Jovem Pan, TV Band, Rede Record, Rede TV, e Empresa Brasil de Comunicação.
O levantamento
O atual tamanho do cinturão azul que pertence ao Estado brasileiro não foi uma decisão unilateral, nem foi definido de improviso. Ele é resultado de um longo período de coleta de dados, liderada pela Marinha do Brasil com a participação de órgãos públicos e da iniciativa privada, e de negociação do governo brasileiro, coordenada pelo Ministério das Relações Exteriores, junto à comunidade internacional. Em 2004, o País submeteu sua primeira proposta de ampliação do espaço marítimo às Nações Unidas, que foi parcialmente deferida. Desde então, o Brasil apresentou outros pedidos, fundamentados em novas pesquisas.
Segundo King, que é geóloga e integrou a delegação brasileira em 2004, o processo de análise dos novos pedidos brasileiros já está bastante avançado. “O Brasil depositou a sua proposta revista de extensão da plataforma continental, dividindo a margem brasileira em três regiões: a região Sul foi depositada em 2015; a Margem Equatorial, em 2017; e a Margem Leste, em 2018”, conta, acrescentando que a Comissão concedeu parecer favorável quanto à primeira e deverá concluir o processo de análise da segunda em 2025, quando então terá início a avaliação da última região.
Sobre o conceito
Enquanto a negociação acontecia em âmbito mundial, um artigo veiculado no jornal Folha de São Paulo, ainda em 2004, buscava popularizar o tema e engajar a sociedade. Ele trazia pela primeira vez o conceito de “Amazônia Azul”, batizada em analogia à Amazônia Verde por sua igual importância estratégica para o Brasil. No texto, intitulado “A outra Amazônia”, o Comandante da Marinha à época, Almirante de Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, ressaltava a dependência do País em relação ao mar e a ausência de políticas voltadas à defesa naval, até então.
Para a Subcoordenadora do LEPLAC, a comparação contribuiu para ampliar a percepção popular quanto à relevância do assunto. “Naquela época, a questão da Amazônia considerada verde, assim como hoje, era uma preocupação nacional. Contudo, a sociedade brasileira não percebia a importância da área marítima, em especial os deveres e os direitos que o Brasil possui em termos de exploração de recursos minerais, recursos biológicos, recursos energéticos, e o uso sustentável do meio ambiente”, avalia.
Essa outra Amazônia a que se referia o artigo abriga uma alta biodiversidade, que além de mamíferos, aves e tartarugas, abrange mais de 1,3 mil espécies de peixes, crustáceos e moluscos e mais de 120 espécies de corais. Já a flora compreende mais de 2,3 mil espécies de algas e mais de 20 diferentes plantas vasculares. As informações são do 1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, que ressalta, ainda, o papel do mar na regulação climática, no sequestro e estoque de carbono — um dos gases causadores do efeito estufa — e na produção de oxigênio.
Fonte de saúde e de renda
Produzido pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos e pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano em 2023, o relatório explica a influência do oceano sobre o aquecimento global, cujos impactos são sentidos também no Brasil. Este mês de setembro foi o mais quente em mais de 60 anos, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia. A mudança climática, alertam as Nações Unidas, tem influência sobre a propagação de doenças e o aumento da fome em locais onde não é possível cultivar ou encontrar alimentos suficientes.
Cuidar do mar não apenas evita o surgimento de doenças, mas permite que cientistas investiguem a cura para outras já conhecidas. O Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, por exemplo, vem investigando substâncias de origem marinha a fim de encontrar novas possibilidades de medicamentos contra o câncer. O trabalho consiste na coleta de bactérias de diversos pontos do litoral brasileiro e no isolamento das substâncias presentes nessas bactérias, para testar o seu efeito em células tumorais
Além dos benefícios à saúde e à segurança alimentar, a Amazônia Azul é fonte de renda para os brasileiros por permitir o desenvolvimento de atividades econômicas tradicionais e em ascensão. Segundo projeções da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a economia do mar deve ultrapassar US$ 3 trilhões e gerar 40 milhões de empregos diretos até 2030. Espera-se que o maior crescimento seja registrado na aquicultura marinha, energia eólica offshore, transformação de pescado e construção e reparação navais.
Embora não haja informação atualizada no Brasil, o 1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmico apontou que a economia marinha-costeira movimentou em torno de R$ 1,11 trilhão em 2015, quase 20% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional na época. Porém, como não há no País, até o momento, uma metodologia oficialmente reconhecida para o cálculo do chamado “PIB do mar”, não há uma padronização de dados, que permita comparações periódicas e identificação de tendências.
Sem navios, sem defesa
Ainda que sem estatísticas confiáveis, a evidente dependência ambiental, científica e socioeconômica do País em relação ao mar torna a sua proteção indispensável. Vinte anos depois daquele artigo que apresentava a Amazônia Azul aos brasileiros, a necessidade de incluir a defesa naval na agenda nacional permanece objeto de preocupação da Força Naval. Em audiência na Câmara dos Deputados, em abril deste ano, o atual Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen, alertou sobre os riscos do atual corte no orçamento.
“O diagnóstico, hoje, da Força é a desativação de 50% dos meios que integram a Esquadra brasileira desde a década de 1980 e a retirada do serviço ativo de 40% do que restou até 2028”, relatou Olsen na ocasião. Sem meios para patrulhar e dissuadir navios não autorizados de explorar região marítima exclusiva do Estado brasileiro, o País fica suscetível a ameaças como a pesca ilegal, que causa prejuízos anuais estimados em US$ 50 bilhões no mundo, de acordo com a Financial Transparency Coalition, rede civil de cooperação global que atua contra crimes financeiros.
Em abril do ano passado, a Marinha expulsou um navio de bandeira alemã que realizava pesquisa sem autorização em área considerada pela Força Naval como rica em recursos como cobalto, níquel, platina e manganês, na altura de Santa Catarina. “Toda riqueza acaba por se tornar objeto de cobiça, impondo ao detentor o ônus da proteção”, já advertia o Almirante Guimarães Carvalho naquele artigo de 2004.
Neste mês em que se comemora o Dia Nacional da Amazônia Azul (16), a Agência Marinha de Notícias aprofunda o tema em uma série de reportagens especiais. Além desta, o leitor irá conferir matérias sobre as vertentes que envolvem o mar brasileiro: meio ambiente, ciência, economia e soberania.
Fonte: Agência Marinha de Notícias
Imagem: Vlademir Alexandre/MTur
Fonte: Agência Marinha de Notícia
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