1. Introdução
O Brasil é uma nação que se volta cada vez mais para o mar. Com mais de 8 mil quilômetros de costa e uma imensa área marítima sob sua jurisdição — equivalente a cerca de dois terços do território terrestre —, o país é detentor de uma das maiores Zonas Econômicas Exclusivas do planeta. Essa região, chamada de Amazônia Azul, não é apenas um conceito geopolítico: representa um verdadeiro oceano de oportunidades estratégicas, econômicas e ambientais.
A expressão, cunhada pela Marinha do Brasil no início dos anos 2000, associa simbolicamente a importância dos recursos marinhos à já consagrada relevância da Floresta Amazônica. A escolha do termo não é por acaso: assim como a Amazônia terrestre concentra vastas riquezas e é foco de disputas internacionais, a área marítima brasileira guarda recursos naturais valiosos, biodiversidade única, rotas comerciais essenciais e potencial energético inexplorado.
Em um contexto global de crescente interesse pelos oceanos, a Amazônia Azul ganha destaque não apenas como área de vigilância e defesa, mas como motor essencial do desenvolvimento sustentável e da projeção do Brasil no cenário internacional. E é nesse espaço que a Marinha do Brasil exerce papel decisivo: proteger, fiscalizar, fomentar conhecimento científico e garantir que os interesses nacionais estejam assegurados em águas nacionais.
2. O que é a Amazônia Azul
A Amazônia Azul corresponde à área marítima sob jurisdição brasileira, que inclui o mar territorial, a zona contígua, a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e a plataforma continental estendida. Estima-se que essa área totalize aproximadamente 5,7 milhões de km², podendo superar os 6,5 milhões de km² com a aprovação dos pedidos de extensão da plataforma continental brasileira junto à Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas (CLPC).
Assim como a Amazônia verde representa uma imensa reserva de recursos naturais e biodiversidade, a Amazônia Azul abriga riquezas igualmente estratégicas: petróleo, gás natural, minérios, pesca, energia renovável (como a eólica offshore) e ecossistemas marinhos únicos. Além disso, essa vasta região é atravessada por 95% do comércio exterior brasileiro, evidenciando sua importância econômica e logística.
A escolha do termo “Amazônia Azul” cumpre, portanto, uma função didática e geopolítica. Serve para conscientizar a sociedade brasileira sobre a extensão e o valor do seu espaço marítimo, incentivando uma mentalidade marítima nacional e alertando para a necessidade de sua defesa, exploração sustentável e governança eficaz. Não se trata apenas de um domínio geográfico, mas de uma fronteira estratégica que projeta o Brasil sobre o Atlântico Sul, aproximando-o da África, do Caribe e do Sul Global.
A área também possui valor militar inquestionável: por sua localização geográfica privilegiada, oferece plataformas naturais para o controle do Atlântico Sul, tornando-se peça-chave para a dissuasão e para a atuação da Marinha em missões de paz, ajuda humanitária, patrulha e proteção ambiental.
3. Importância econômica da Amazônia Azul
A Amazônia Azul é, hoje, um dos pilares da Economia do Mar no Brasil. Essa imensa faixa oceânica gera impactos diretos sobre setores fundamentais do Produto Interno Bruto (PIB), contribuindo com bilhões de reais por ano em atividades como transporte marítimo, pesca, extração de petróleo e gás, turismo costeiro, energia renovável offshore e biotecnologia marinha.
Entre os principais indicadores:
Mais de 95% do comércio exterior brasileiro é realizado por via marítima, o que torna os portos e a logística naval peças centrais para a competitividade da economia nacional.
Cerca de 97% da produção brasileira de petróleo e 80% do gás natural vêm de áreas marítimas, com destaque para as reservas do pré-sal localizadas na plataforma continental.
O setor pesqueiro, concentrado nas áreas costeiras e oceânicas, responde por cerca de 45% do pescado consumido internamente, com potencial ainda pouco explorado em águas profundas.
O turismo litorâneo, sobretudo em regiões como o Nordeste e o Sudeste, movimenta bilhões de reais anualmente, com destaque para cruzeiros, esportes náuticos e atividades ligadas à natureza marinha.
Além disso, o avanço da energia eólica offshore abre novas perspectivas para a diversificação da matriz energética brasileira. Projetos-piloto já estão em estudo no litoral nordestino, com potencial de gerar até 700 gigawatts de potência instalada – quase cinco vezes a atual capacidade energética do país.
Esse dinamismo revela que o mar não é apenas um espaço de contemplação ou defesa: é uma infraestrutura viva, que sustenta milhares de empregos diretos e indiretos, promove inovação tecnológica e conecta o Brasil com os principais fluxos comerciais do mundo. Porém, para que essa riqueza seja preservada e expandida, é indispensável o fortalecimento da governança marítima, a regulação eficaz das atividades e a valorização da mentalidade marítima nacional.
4. Sustentabilidade e desafios da Amazônia Azul
Embora rica em potencial econômico, a Amazônia Azul também enfrenta grandes desafios ambientais, geopolíticos e institucionais, que exigem ações coordenadas entre o poder público, a iniciativa privada, a academia e a sociedade civil. A sustentabilidade dessa vasta área marítima está no centro de debates globais sobre o futuro dos oceanos e a chamada “Economia Azul”, que busca o equilíbrio entre exploração e preservação dos recursos marinhos.
Em consonância com a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (2021–2030), o Brasil tem adotado medidas para aprimorar o monitoramento dos seus espaços oceânicos, estimular a pesquisa científica marinha e promover o uso sustentável dos recursos costeiros. A atuação da Marinha do Brasil nesse cenário é estratégica: além de proteger as águas jurisdicionais, a Força Naval apoia expedições científicas, combate crimes ambientais como pesca ilegal e poluição por óleo, e participa de fóruns internacionais sobre governança do mar.
No entanto, os desafios são múltiplos:
A expansão da atividade petroleira em áreas sensíveis demanda maior vigilância ambiental e investimento em tecnologias de mitigação de riscos.
A pesca predatória e a biopirataria ameaçam a biodiversidade marinha e os modos de vida das comunidades costeiras.
A ausência de políticas públicas integradas entre os entes federativos dificulta a gestão eficaz do território marítimo, especialmente em regiões mais afastadas como o Arquipélago de São Pedro e São Paulo.
A pressão internacional sobre a Amazônia Azul, com discursos que propõem “internacionalização dos oceanos”, também impõe ao Brasil a necessidade de fortalecer sua presença física e simbólica no Atlântico Sul.
A construção de uma governança marítima sólida e soberana depende da articulação entre segurança, ciência e desenvolvimento. Projetos como o Pró-Blue, coordenado pela Marinha em conjunto com órgãos civis e universidades, têm buscado consolidar essa visão integrada. Ao mesmo tempo, cresce a consciência de que o mar brasileiro é um espaço estratégico que precisa ser conhecido, respeitado e defendido.
5. O papel da Marinha do Brasil na defesa da Amazônia Azul
A Marinha do Brasil exerce protagonismo absoluto na proteção e no desenvolvimento da Amazônia Azul. Como componente do poder naval e da estrutura de Estado responsável pela soberania marítima, cabe à Força Naval garantir a presença permanente do Brasil em suas águas jurisdicionais — uma presença que vai muito além da vigilância militar, englobando ciência, diplomacia, logística e desenvolvimento sustentável.
Entre as principais atribuições da Marinha nesse contexto, destacam-se:
• Vigilância e patrulha da costa e da ZEE
A Marinha mantém operações constantes de patrulhamento da costa e da Zona Econômica Exclusiva, com apoio de navios-patrulha oceânicos, aeronaves de asa fixa e rotativa, além de sensores costeiros. Essas operações buscam coibir ilícitos como tráfico de drogas, pesca ilegal, contrabando e crimes ambientais, assegurando a ordem jurídica e a soberania sobre os recursos naturais.
• Projeção de poder no Atlântico Sul
Com presença estratégica em ilhas oceânicas como Fernando de Noronha, Trindade e o arquipélago de São Pedro e São Paulo, a Marinha atua como vetor de dissuasão e controle marítimo em uma região cobiçada geopoliticamente. A realização de operações conjuntas e multinacionais, como a “GUINEX” e a “Obangame Express”, evidencia a capacidade do Brasil de cooperar com outras nações e, ao mesmo tempo, afirmar sua liderança regional.
• Apoio à pesquisa científica e conservação ambiental
A Força Naval opera embarcações como o Navio de Pesquisa Hidroceanográfico Vital de Oliveira, fundamental para mapeamento do fundo do mar, estudos sobre correntes marítimas, biodiversidade e recursos minerais. Essas missões apoiam diretamente o pleito brasileiro na ONU para ampliar os limites da plataforma continental, fortalecendo os direitos sobre uma área submarina ainda maior.
• Promoção da mentalidade marítima nacional
Por meio de programas como o “Programa de Desenvolvimento da Mentalidade Marítima” (Promar), o apoio a projetos escolares, a atuação da Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM) e o incentivo à cultura oceânica, a Marinha busca sensibilizar a população sobre a importância do mar como espaço de desenvolvimento, defesa e identidade nacional.
• Suporte à economia e à logística
A presença da Marinha nos principais portos, a atuação nas hidrovias, o resgate de embarcações em risco e a vigilância de plataformas energéticas contribuem diretamente para a segurança da infraestrutura crítica nacional, assegurando o funcionamento contínuo da logística marítima e o escoamento da produção brasileira.
Em resumo, a Marinha do Brasil é a guardiã da Amazônia Azul. Sua atuação permanente, discreta e estratégica é o alicerce da soberania marítima brasileira — uma soberania que se defende não apenas com navios e fuzileiros, mas com ciência, diplomacia e uma visão de longo prazo.
6. Conclusão
O futuro do Brasil também se escreve sobre as águas. A Amazônia Azul, embora muitas vezes invisível ao olhar cotidiano, é um dos ativos mais estratégicos do país — um território de riquezas, de desafios e de projeção internacional. Nela estão as rotas por onde escoa nossa economia, os recursos que sustentam a matriz energética nacional, a biodiversidade que alimenta pesquisas de ponta e as fronteiras onde se afirmam a soberania e a presença do Estado brasileiro.
A Marinha do Brasil desempenha, nesse contexto, um papel indispensável. Suas ações, muitas vezes silenciosas e pouco divulgadas, são a garantia de que esse patrimônio esteja protegido contra ameaças externas, crimes transnacionais, degradação ambiental e pressões geopolíticas. Ao mesmo tempo, a Força Naval atua como ponte entre a defesa e o desenvolvimento, promovendo ciência, mentalidade marítima e diplomacia no Atlântico Sul.
Valorizar a Amazônia Azul é compreender que o mar não é o fim da terra, mas o começo do Brasil. É reconhecer que o oceano que banha nossas costas também irriga nossas oportunidades, conecta o país ao mundo e impõe a necessidade de políticas públicas robustas, investimentos em tecnologia e educação, e sobretudo, o fortalecimento de uma cultura oceânica em todos os níveis da sociedade.
Em tempos de disputas por recursos naturais, mudanças climáticas e desafios à soberania, o Brasil precisa olhar para o mar com a mesma prioridade com que se volta para sua floresta. E, como em toda grande nação marítima, esse olhar começa com a consciência. A Amazônia Azul é brasileira — e sua defesa começa com o conhecimento.
Fonte: Defesa em Foco