Produtores rurais ribeirinhos de Tefé se isolam com medo da pandemia

Seu Matico em frente a escola que fazia o transporte escolar (Foto: Antônio Ximenes)

Catraeiro Matico perdeu o emprego e sua filha Jucimara preferiu ter o filho com parteira, do que no hospital, para não pegar a Covid-19

De Santo Antônio do Matupi, no Sul do estado, voamos para Tefé, no Médio Solimões. Saímos de terra firme para as várzeas às margens do Lago de Tefé, na cidade homônima, uma das maiores do interior do Amazonas. Município distante 611 quilômetros, com a população de 61.453 habitantes, com densidade demográfica de 2,59 habitantes por km², de acordo com último senso realizado pelo IBGE, em 2010. Tefé foi fundada pelos portugueses e Jesuítas em 1759. Seu Seminário Espiritano, tem uma das arquiteturas mais elegantes do interior do Amazonas e com mais de 100 anos de fundação.
Chegamos no dia do aniversário da cidade – 15 de junho de 2020, porém de um ano completamente diferente e sem quase nada para se comemorar.

Em nosso primeiro contato com os moradores, conhecemos Joaquim Barbosa e sua família. Morador da comunidade de Santa Maria, localizada às margens do Rio Solimões, aproximadamente vinte e cinco minutos de catraia (quando o rio está cheio)  da sede do município, Seu Matico, como é conhecido na região, perdeu sua única renda e a principal da família, nesse período de pandemia – o transporte das crianças/estudantes, filhos dos ribeirinhos  das comunidades locais, para a Escola Municipal São José – atividade que  desenvolve com destreza há treze anos.

Além de entrevistado, ele foi o nosso guia pelos rios e igarapés da região, durante toda a nossa estada na cidade, que tem como significado em seu nome “Profundo”, no idioma Nheengatu  (Língua Geral).

Agrofloresta  – Seu Matico, onde o senhor nasceu e como veio parar em Tefé?

Matico – Nasci na Comunidade Perseverança, em Alvarães e vim para cá pela oportunidade de trabalhar com verduras, como a maioria do povo aqui faz. Estou aqui há vinte e cinco anos, aí quando cheguei casei com a Valdirene e em 2007 virei catraieiro de profissão. Hoje tenho 70 anos e tenho, Graças a Deus, três filhos e sete netos, que vivem aqui coma gente na comunidade.

Agrofloresta – Com a pandemia o senhor perdeu o emprego, como está sendo para conseguir dinheiro para sustentar a família?

Matico – Como perdi o emprego resolvi ‘pegar o rumo’ lá para Tefé, para sustentar a família. Eu não tinha como plantar mais, pois eu trabalhava dois horários e não tinha como cuidar da plantação. Com a catraia eu fico na beira do porto, tentando atravessar pessoas, mas é difícil. Tem dias que dá e tem dias que não dá nada, mau paga a gasolina.

Agrofloresta – Todos os dias o senhor vai a sede do município, não tem medo da doença?

Matico – Ter eu tenho, quem não tem. Todo dia eu saio de casa com a máscara e álcool gel, vou para lá e quando volto já chego aqui na beira tomo meu banho, só entro em casa quando já estou de banho tomado no rio. Aproveito e lavo a minha roupa. E peço a Deus para nos proteger.  

Agrofloresta – Alguma entidade internacional ou ONG já veio aqui para ajudar vocês na beira do rio?

Matico – Aqui mesmo não. Dessas entidades a gente só se houve falar, mas aqui mesmo nunca ninguém apareceu. Eu só sobrevivo do meu trabalho e da ajuda de Deus, que não permite a minha família passar fome. Se eu parar de “catraiar” não ganho nada.

A filha preferiu o parto em casa por medo

Jucimara Ribeiro filha do Seu Matico (Foto: Anderson Oliveira)

A filha mais velha do Seu Matico, Jucimara Ribeiro Barbosa, 24, nasceu em Tefé e tem quatros filhos e estudou até a nona série do ensino fundamental.

Agrofloresta – Você tem quatro filhos, três nasceram na sede do município e o mais novo você optou em nascer na comunidade por quê?

Jucimara – Devido a essa pandemia, aí a gente fica com receio de ir à cidade e como está tendo muitos casos da doença, fiquei com medo de ir ter o Cássio no hospital da cidade e preferi pedir ajuda de uma parteira e deu tudo certo Graças a Deus. Hoje ele está com vinte e três dias.

Nós estamos todos preocupados, pois na cidade muitas pessoas estão doentes e morrendo. Aqui eu não deixo nem as crianças brincarem no terreiro (assim é chamada a área externa das casas dos ribeirinhos, como se fosse o quintal). Nesse período está sendo bem difícil para todos nós, meu marido e eu plantávamos verduras, mas só isso não dá como sobreviver, por isso ele faz sempre “bicos”; mas nesse período estamos até com medo que ele faça, pois ninguém sabe onde está o vírus e se ele vai pegar e trazer para dentro de casa.

Nos arredores da sede de Tefé, grande parte das comunidades rurais, tanto das margens do Rio Solimões, quanto do Lago de Tefé, sobrevivem do setor primário, através da agricultura, pecuária, pesca e do extrativismo vegetal. A comercialização dá-se na maior parte na sede do município, por meio dos próprios produtores, no mercado municipal, ou com os atravessadores de outras regiões, que passam de barco pelos rios. Tefé decretou lockdown e teve mais de 80 mortes, centenas de pessoas foram infectadas pelos virus.

 

Texto: Milena di Castro

Foto de capa: Antonio Ximenes

Post Author: Milena Di Castro

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *