Exército agiliza obras pelo Brasil, na construção e manutenção de rodovias, ferrovias, barragens e aeroportos.
Além de preparar soldados para a guerra, em tempos de paz, o Exército Brasileiro contribui para o desenvolvimento nacional com obras de infraestrutura vitais para o país. Coordenados pelo Departamento de Engenharia e Construção (DEC), 11 Batalhões de Engenharia e Construção (BECs) se empenham em deixar um legado de rodovias, ferrovias, barragens e aeroportos, sobretudo, nas áreas mais remotas e de difícil acesso, onde não há interesse nem viabilidade econômica para empresas da iniciativa privada operarem.
Referência não só em obras de infraestrutura, mas também em conformidade ambiental e em operações arriscadas, como a destruição de minas e artefatos explosivos, o DEC é chefiado pelo general Júlio Cesar de Arruda. “Nosso desafio agora é voltar aos trilhos. Ficamos 20 anos longe das obras ferroviárias, mas estamos com vários projetos em andamento, como um trecho da Ferrovia de Integração Oeste e Leste (Fiol), e planejamos participar de outros”, afirma.
O acervo das obras da engenharia militar permitiria dar a volta na Europa. São 5.881 quilômetros de ferrovias construídas e mais de 16,3 mil quilômetros de rodovias. Em junho, dois batalhões devem se encontrar no meio da BR-163, para onde foram destacados a fim de concluir a estrada, essencial para o escoamento da produção agrícola. “Hoje, estamos com os 11 batalhões empenhados. Isso é excelente”, diz o general Arruda.
“O objetivo da engenharia do Exército é treinar os soldados, ao mesmo tempo em que resolve gargalos de infraestrutura”, afirma o general Marcelo Arantes Guedon, diretor de Obras de Cooperação do DEC. “Tudo é feito com conformidade ambiental, seguindo preceitos de sustentabilidade”, acrescenta o general Paulo Alipio Branco Valença, diretor de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente do departamento.
O general Arruda deixa claro que o Exército é uma instituição de Estado e não de governo, apesar de a engenharia atuar para órgãos da administração federal. “Temos desafios impostos por dificuldades logísticas. Mas, se o Ministério da Infraestrutura voltar para a BR-319, na Amazônia, nós queremos trabalhar lá”, revela, detalhando todas as obras em andamento e em planejamento (veja abaixo). Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Correio pelos três militares no Quartel General do Exército Brasileiro.
Desenvolvimento
Desde 1880, o Exército é autorizado por lei a fazer obras para o desenvolvimento nacional. Talvez uma das maiores obras, o maior legado, tenha sido o tronco ferroviário sul, para ligar o Sul do país até a capital federal, que ainda era o Rio de Janeiro. À época, eram apenas quatro batalhões de engenharia. Eles construíram toda aquela parte ferroviária entre 1930 e 1950. A engenharia tem a característica de ser móvel. Vai para onde é preciso trabalho. Então, em 1950 foi para o Nordeste. Foi criado o 1º Grupamento de Engenharia, em João Pessoa, que continuou a fazer ferrovias. Porque era o que o plano nacional terrestre exigia, além de obras hídricas, muitos açudes, e rodovias. Na década de 1970, o foco passou a ser a Amazônia, dentro do plano de desenvolvimento de longo prazo. Integrar para não entregar era o slogan. O objetivo era integrar a Amazônia ao Sul do país. Os batalhões foram para a Amazônia. Em Rondônia foi o primeiro, o 5º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), que chamamos de pioneiro, em Porto Velho. O 9º BEC em Cuiabá (MT), o 8º BEC em Santarém (PA) e o 6º BEC em Boa Vista (RR). Os batalhões transformam a região onde atuam.
De volta aos trilhos
Nosso forte foi ferrovias. Dentro da estrutura do Exército temos dois Batalhões Ferroviários (BFV): o de Lages (SC) e o 2º BFV de Araguari (MG). Fizemos a Ferroeste, há 20 anos, com esses dois batalhões. Depois disso, ficamos duas décadas sem mexer com ferrovias, só trabalhando em rodovias. Atualmente, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que é do Instituto Militar de Engenharia (IME), e o diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), general Antônio Leite dos Santos Filho, que comandou o 2º Grupamento de Engenharia em Manaus, conhecem nossas capacidades e possibilidades, e isso nos favoreceu. Voltamos aos trilhos. Recebemos um lote de 18,4 quilômetros (km) da Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol), ao sul de Barreiras, interior da Bahia. Estamos começando um trabalho cujo plano é de dois anos. E esperamos pegar mais trechos. A própria Ferrovia de Integração Oeste e Leste (Fiol), que liga ao Porto de Ilhéus, vai se conectar com a Ferrovia Norte-Sul no Tocantins. Esse é o planejamento e queremos participar disso.
Orçamento
A engenharia do Exército Brasileira é uma das poucas engenharias militares do mundo com autorização em lei para atuar em todo o país. Nos Estados Unidos, por exemplo, o exército faz obras dentro das instalações militares e depois as destroem. Só para treinar. Nós, não. Fazemos para o país, com qualidade e baixo custo. O orçamento não é do Ministério da Defesa. É extraorçamentário. Então, vem do Ministério da Infraestrutura, ou, no caso de ferrovias, da Valec (estatal ferroviária). Quando é um serviço grande, com o primeiro repasse de recursos, nós compramos as máquinas, que são caras. Assim, não gastamos o orçamento da Defesa para isso. É um emprego dual. São raríssimos os países que fazem isso.
Adestramento
O nosso grande objetivo é o adestramento. A gente contribui com o desenvolvimento nacional. Mas não é um desvio de finalidade do Exército. Às vezes, aparece essa imagem: por que o Exército está fazendo rodovia, ferrovia? Temos que fazer isso. É o treinamento necessário para permitir que, sempre que o Exército for empregado, tenha uma engenharia capacitada a manter as infraestruturas rodoviária, ferroviária, aeroportuária. Conseguimos fazer um adestramento de excelente qualidade, sem impacto para o orçamento do Exército. Para o orçamento do governo dá igual porque a obra teria que ser feita. Então, diminui a necessidade de repassar recursos para o Ministério da Defesa para fins de treinamento, e, ao mesmo tempo, a obra é realizada, deixando como legado qualidade de serviço e recursos humanos capacitados, que depois vão para o mercado de trabalho.
Concorrência
O Exército não concorre com as empresas privadas. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o Ministério da Infraestrutura (MInfra) pagam missões para o Exército nos trechos em que não há interesse da iniciativa privada. A nossa engenharia está localizada no Nordeste, na Amazônia, em áreas em que não há viabilidade econômica para as empresas. O nosso trabalho é de qualidade. Temos dentro dos nossos quadros engenheiros formados pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), experientes.
Mão de obra
Todo batalhão tem uma sessão técnica, com muitos engenheiros. O Exército também contrata temporários. Mas, a mão de obra, o soldado, não sabe nada. Ele aprende durante o serviço obrigatório, que é um ano, mas pode ficar até oito, sai com uma profissão no final. Então, há uma cooperação com a iniciativa privada, que, depois, aproveita essa mão de obra, que sai capacitada. Quando o soldado termina o tempo de serviço, as empresas o convocam, porque, além do treinamento, ele tem a disciplina do Exército. O Exército também trabalha com civis. Hoje em dia, por restrições, fazemos contratações temporárias por tempo determinado.
BR-163
O Exército abriu a BR-163 na década de 1970, quando foi criada. Como não houve manutenção, a estrada ficou naquelas condições de muitos atoleiros. Então, agora, o Dnit contratou o Exército para atuar no pior trecho. Terminamos de fazer o asfalto em 50 quilômetros. Os caminhoneiros não ficam mais presos em atoleiros, o movimento subiu para 1,5 mil veículos por dia. A rodovia deve ser entregue em junho. Os batalhões caminharam em direções opostas e devem se encontrar daqui a alguns meses, não exatamente no meio porque um trecho era mais complicado do que o outro. Essa obra está sendo concluída. A intenção do governo é privatizar depois de pronta.
Projetos
Quando o Dnit nos contrata, entrega o projeto. Já entramos na obra com o projeto pronto. Mas criamos uma diretoria, a Diretoria de Projetos de Engenharia, para atender e suprir a necessidade do Exército, de projetos mais específicos. Trabalhamos fazendo a revisão de projetos, mas a vocação é executar as obras. Em alguns casos, alguns grupamentos de engenharia têm sessões de projetos. A diferença é que, na execução, a equipe é muito maior. Mas temos a capacidade também de elaborar os projetos.
Batalhões
Dentro do território brasileiros são cinco grupamentos de engenharia. Também temos 11 batalhões de engenharia e construção (BECs), cada um com contingente de 600 a 700 homens e mulheres. Em algumas obras, quando são muito complexas, como a do Rio São Francisco, é necessário mais de um batalhão para execução. Na Fiol, também estamos entregando dois batalhões. Na duplicação da BR-101 no Nordeste, foram dois batalhões, mas procuramos dividir em lotes, porque em cada um há a figura do comandante, que também é ordenador de despesas. Tem responsabilidades administrativa e jurídica sobre aquela obra.
Aeroportos
O Exército Brasileiro trabalhou no Aeroporto de Guarulhos, por ocasião da Copa do Mundo, porque ele precisava estar pronto até 2014. O que o sistema fez? Reuniu gente de todo Brasil e formou um destacamento, que foi trabalhar em Guarulhos. Conseguimos concluir antes do tempo, devolvemos dinheiro — R$ 550 milhões — e deixamos uma obra de qualidade, sem atrapalhar o movimento do aeroporto, que não parou de operar. Uma das características do Exército é enquadrar mão de obra civil. Em um esforço de guerra, a gente sabe que terá a necessidade de trabalhar com recursos humanos que já possuímos, mas também agregar mão de obra. Em Guarulhos, a execução foi com empresas civis, mas toda a coordenação e acompanhamento técnico foram do Exército.
Leques de obras
O leque de trabalho da engenharia do Exército é amplo. Podemos fazer ferrovias, rodovias, obras hídricas, açudes, barragens, perfurar poços artesianos, e executar obras aeroportuárias. O aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN) foi o Exército que construiu, do zero até o final. Só a área dos passageiros que foi a concessionária. Agora, estamos trabalhando no Aeroporto de Dourados (MS), uma obra de quatro anos. Vamos ampliar o terminal. E estamos trabalhando numa pista que nos interessa. Raramente uma empresa pegaria essa obra, mas para o Exército é estratégica: Santa Rosa do Purus, no Acre. Trabalho de quatro a cinco anos. Também já trabalhamos na BR-319, na Amazônia, e talvez sejamos chamados para voltar lá. O ministro Tarcísio Gomes de Freitas já nos garantiu que vamos voltar. Por enquanto, é só uma intenção. Mas queremos trabalhar de novo lá porque a rodovia permite uma ligação física com Manaus pelo Sul. Se o Ministério da Infraestrutura voltar para a BR-319, nós queremos trabalhar lá.
Meio Ambiente
Um dos entraves na Amazônia é a conformidade ambiental. Obedecemos rigorosamente tudo o que diz a legislação ambiental. Mesmo quando temos que rasgar uma área para fazer uma obra, fazemos um plano de recuperação ambiental daquele local. Desde 1920, o Exército tem normas de utilização do campo. O Exército tem uma diretoria de meio de ambiente, atrelada ao patrimônio imobiliário. Isso porque não se faz gestão do patrimônio imobiliário sem as respectivas gestões ambientais. Por isso, é importante que as duas coisas estejam ligadas. Isso evoluiu com o tempo. Temos legislação da década de 1970 e as nossas obras passaram a exigir cada vez mais essa preocupação ambiental.
Educação
A educação ambiental é uma obrigação curricular. Existe carga horária em todas as áreas. Isso veio crescendo. Além da formação formal, do soldado, sargento, oficial, cadete, percebemos que a informação tem que chegar até a ponta da linha. Então, criou-se um ambiente de aprendizagem, presencial/virtual com cursos técnicos de capacitação no Exército, que abrange servidores de outros órgãos. No ano passado, capacitamos mais de 2,2 mil pessoas tanto na área de patrimônio imobiliário quanto de meio ambiente.
Cartilha na ONU
O Exército Brasileiro tem uma cartilha ambiental, que foi adotada, inclusive, pela ONU (Organização das Nações Unidas). Na nossa passagem pelo Haiti, levantamos quais os aspectos ambientais que envolvem o emprego de tropas sobre a égide de um organismo internacional. Então foram feitas edições em português e inglês. A ONU verificou que não tinha um material dessa ordem e buscou o nosso. A ONU pegou a nossa cartilha para fazer o seu material. Ou seja, o nosso trabalho é referência. Há uma retroalimentação, porque quando acontece algum evento, vamos ao local para verificar o que precisa ser ajustado.
Sustentabilidade
Outro degrau é a sustentabilidade. Nós reunimos todos os órgãos do Exército para reforçar e difundir as práticas de sustentabilidade. Nós temos uma política de sustentabilidade do Exército. Na Operação Verde Brasil, nós fizemos material informativo básico para que todos os militares saibam lidar com as situações. Temos equipes regionais que cuidam do meio ambiente nos grupamentos de engenharia, além de um time muito grande na diretoria. Temos civis contratados, numa equipe multidisciplinar, engenheiros florestais, agrônomos, geólogos, engenheiros ambientais, biólogos, quatro doutores, seis mestres e um corpo de advogados especializado em direito ambiental. Quando surge algum evento lá na ponta, essa equipe garante o apoio.
Selo verde-oliva
O Exército tem o selo verde-oliva, um sistema de conformidade ambiental que se baseia em certificações, mas não é uma auditoria. É uma forma de aperfeiçoar e melhorar o nível ambiental das nossas organizações militares. Então, hoje, em todo quartel, existe um oficial responsável por elaborar um plano de gestão ambiental, nos seus anexos. Tanto nas redes de tropas quanto nos nossos hospitais. Isso é checado anualmente. O próprio quartel faz a sua checagem e o DEC revisa. Toda vez que o índice não é bom, vamos até o quartel. Quando está acima de 90%, concedemos o selo de sustentabilidade verde-oliva, como forma de estimular a melhoria ambiental. Até hoje, temos duas Organizações Militares (OMs) com selos: o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército, que também é fiscalizado pela Anvisa; e o 7º Batalhão de Engenharia de Combate, em Natal.
Recuperação
No Sul, o batalhão de Lages está participando da duplicação da BR-116, que liga Porto Alegre a Pelotas. Um trabalho que começou há cerca de dois anos e marca a capacidade do Exército de recuperar obras da iniciativa privada. A empresa que estava lá não conseguiu cumprir, por problemas na Operação Lava-Jato. Como não conseguiu regularizar a sua parte orçamentária-financeira e o Dnit se viu com um problema, a obra ficou inacabada. A opção que o governo tem é pegar um elemento de Estado, no caso a engenharia do Exército Brasileiro, com objetivo estratégico para terminar a obra. É uma situação atípica colocar um órgão de Estado de Defesa, trabalhando em obras. Para nós, é adestramento. Para o governo, é o atendimento de uma necessidade. Sem concorrência com a iniciativa privada, mas com capacidade de recuperação. Nós vamos para aqueles locais onde não há interesse. Por exemplo, a rodovia BR-307, para nós, uma questão de defesa nacional, uma área de tríplice fronteira, de tráfico, em São Gabriel da Cachoeira, terra indígena.
Fotos: Agência Verde-Oliva/Exército Brasileiro