Especialistas do Sul Global reuniram-se na COP29, no último sábado (16), para discutir o mercado de carbono e defender a valorização das florestas e seus povos nesta modalidade de comércio internacional. O evento “Protegendo as florestas tropicais através dos mercados de carbono” integrou a programação oficial da Conferência do Clima e contou com a participação de representantes do Brasil, de Gana e do Nepal, além de organizações internacionais. André Guimarães, diretor executivo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), constatou a conexão regional entre os palestrantes do evento e os benefícios de aprendizados compartilhados. Ressaltou, ainda, os desafios comuns nos países do Sul Global, como o financiamento para a ação climática. “Nós temos desafios que são comuns e é por isso que a formação desta mesa tenta conectar o Sul Global, trazendo experiências que a gente tem na Amazônia, África e Ásia. Quanto mais compartilharmos, mais rápido será o aprendizado e maior será a escala para a conservação de florestas”, comentou o diretor do IPAM. “Precisamos trabalhar juntos, seja com o setor privado, para arrecadar fundos e investir mais; com governos, para o funcionamento de abordagens jurisdicionais [de carbono]; com povos indígenas e comunidades locais, para garantir que recebam seus benefícios e que projetos ocorram de forma justa”, completou. Marcello Brito, secretário executivo do Consórcio Interestadual Amazônia Legal, citou como exemplo os potenciais recursos provenientes do carbono por áreas de vegetação nativa conservada no Estado do Pará e colocou em perspectiva a origem e o valor do carbono negociado globalmente. “Se a gente somar todo o potencial do Estado do Pará em carbono, dá o orçamento estadual de um ano. É muito dinheiro e dá para fazer muita transformação com ele. Que um dia a gente possa dar valor no carbono florestal, o mesmo valor que a gente dá naquele da transição energética, dos combustíveis fósseis, que a gente tem visto no Norte Global”. E acrescentou: “Bem-vindos ao Sul Global. Que a gente possa colocar nossa agenda no mesmo grau de importância das outras agendas”. Roselyn Fosuah Adjei, ponto focal de REDD+ na Comissão Florestal de Gana, compartilhou o trabalho do governo do país com as comunidades e populações locais em projetos jurisdicionais. Elencou, também, os desafios para garantir que essas pessoas recebam os benefícios para além do financeiro: com participação para que as atividades desenvolvidas no e com o território sejam em comum acordo, que as comunidades tenham suas necessidades e desejos contemplados. “A beleza deste programa é que trabalhamos com uma série de partes interessadas. É um programa integrado e abrangente no sentido de quais stakeholders serão acionados e quais abordagens serão colocadas em prática a partir disso. Toda vez que temos um desafio, por exemplo, nos reunimos e abordamos esses desafios com as comunidades locais no centro da situação. É a primeira vez que em Gana que temos as comunidades abrindo contas bancárias, recebendo pagamentos pelos resultados que são capazes de produzir, protegendo terras florestais e praticando agricultura sustentável”, disse. Avanilson Karajá, coordenador-tesoureiro da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), destacou a agência de povos indígenas na promoção da conservação e expôs a contradição em projetos que deixam de valorizar as pessoas por trás da mitigação das mudanças climáticas. “Os agentes de monitoramento de terras indígenas atuam voluntariamente, e muitas das vezes são mortos por defender e fiscalizar o território. Às vezes não têm incentivo, nem qualidade de segurança no trabalho que executam para conservar a floresta, que é um bem comum de todos. Se discute tanto o carbono, a floresta em pé e a importância da Amazônia para a conservação ambiental, mas muitas vezes não se importam com quem está no território fazendo esta proteção”, alertou. Buddha Ghartee, da NEFIN (Federação de Nacionalidades Indígenas do Nepal), também levou a discussão para além do carbono e lembrou a relação espiritual de pessoas indígenas com o ambiente natural. “O sustento dos povos indígenas depende completamente da floresta. Se você olhar só pelo carbono, pode ferir direitos indígenas das pessoas que têm seus costumes tradicionais, suas práticas espirituais de cura e outros rituais muito ligados à floresta. Então é difícil separar uma coisa da outra, e é isso que estamos discutindo no Nepal. Estamos cientes, enquanto povos indígenas, estamos acompanhando os processos junto ao governo e demandando que os direitos indígenas sejam considerados”, relatou. Carol Burga, diretora de Engajamento com povos indígenas e comunidades tradicionais da Emergent, endossou a valorização do trabalho de povos originários na conservação e a criação de parcerias. “Acreditamos na colaboração entre povos e comunidades com os governos como uma parceria genuína. Povos indígenas e comunidades tradicionais são parceiros para nós, não meros beneficiários. São essas as pessoas que realmente estão fazendo o trabalho pesado no chão para manter a floresta de pé. Eles têm um papel crítico para todos nós na conservação, então, a sua participação total nos projetos e o seu acesso à benefícios também é essencial”, citou. Frances Seymour, consultora sênior de Florestas para o enviado especial dos Estados Unidos para o clima, avaliou que o momento atual é marcado pelo fato de que governos estão mais presentes no mercado de carbono. “O novo elemento no quadro atual, que eu acrescento à conversa, é que os governos finalmente perceberam que eles têm que agir também. Uma das iniciativas que estive envolvida nos Estados Unidos trabalha justamente com a atuação do governo no mercado de carbono, como ferramenta para a transformação climática de que o mundo precisa. Ao mesmo tempo, reconhecendo que há riscos, mas entendendo que temos a confiança para manejar tais riscos a partir de princípios”, afirmou. Beatriz Granziera, consultora sênior de Políticas da TNC (The Nature Conservancy, ou Conservação da Natureza), explicou como os países têm que preencher diversos requisitos para acessar financiamentos internacionais – e destacou como esses processos podem ser diferentes para cada tipo de fundo. Afirmou, também, que o Artigo 6 do Acordo de Paris pode ser uma fonte de recursos. “Para acessar os diversos tipos de financiamento, os países têm que se encaixar em regras muito diferentes. Todos esses padrões têm suas regras em salvaguardas e recompensas”, afirmou. “O Artigo 6 poderia ser uma potencial fonte de recursos para a natureza. Houve avanços importantes para o REDD+, na última reunião do órgão supervisor, dizendo basicamente que projetos que queiram usar o Artigo 6.4 para financiamento precisam estar integrados a programas jurisdicionais”. Dirk Forrister, CEO da IETA (International Emissions Trading Association, ou Associação Internacional de Comércio de Emissões), acrescentou que o Brasil tem capacidade de ser um fornecedor para o mundo neste mercado, e que a atuação de governos tem atraído mais investimentos do que a comercialização voluntária. “Lugares onde o governo passou a reconhecer créditos baseados na natureza para políticas de compliance passaram a estimular muito mais investimento do que o mercado voluntário de carbono, como a Colômbia”, exemplificou. “No Brasil, há recursos mais do que o suficiente para o país suprir suas próprias necessidades e ser um fornecedor mundial neste sentido”. O evento foi organizado pelo IPAM em parceria com a IETA, TNC e a Coalizão Leaf, coordenada pela organização sem fins lucrativos Emergent. |
Foto de capa: Hub da Amazônia (Produção de fotografia: Daniela Luquini. Fotografia e vídeo: Heber Barros Reis, Sara Mauvoisin e Victor Ivison da Silva.