O receio com a medida surge em relação às áreas cujos habitantes são indígenas ou quilombolas, com terras não demarcadas e que não têm proteção jurídica, disse o advogado da Federação Indígena do Povo Kukami-Kukamiria, Serafim Taveira
O programa do governo federal que encarrega os municípios sobre tratativas de regularização fundiária em áreas da União, publicado no Diário Oficial da União (DOU), nesta quinta-feira, 3, causa preocupação por autoridades da causa indígena e ambientalista.
Denominado “Titula Brasil”, o decreto pretende aumentar a capacidade operacional dos procedimentos de titulação e regularização fundiária das áreas rurais sob domínio da União ou do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O Regulamento Operacional e o Manual de Planejamento e Fiscalização do programa será definido em até 60 dias, contados a partir da publicação da portaria.
Segundo o texto, assinado pelo secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antonio Nabhan Garcia, e pelo o presidente do Incra, Geraldo José da Camara Ferreira de Melo Filho, a adesão das cidades não é obrigatória, mas voluntária. Para os municípios que pretendem aderir ao programa, será necessário aguardar edital de chamamento público.
Em nota ao governo federal, Nabhan Garcia disse que a medida irá trazer viabilidade “extremamente positiva no sentido de regularização fundiária”. Para ele, a portaria estabelece a parceria entre o Incra e todas as prefeituras do Brasil, com destaque para os nove estados da Amazônia Legal.
Sem proteção jurídica
Para o advogado da Federação Indígena do Povo Kukami-Kukamiria da Tríplice fronteira, Brasil, Peru e Colômbia, Serafim Taveira, o receio com a medida surge em relação às áreas cujos habitantes são indígenas ou quilombolas com terras não demarcadas e que não têm proteção jurídica.
“Sabemos que as Terras Indígenas (TI) já homologadas enfrentam algumas dificuldades, imaginem o que passam os moradores das terras não homologadas e que se avizinham de posseiros que se declaram os donos?”, questiona Taveira.
Segundo Serafim, que também é presidente da Comissão da Agricultura Familiar, Agroextrativismo e Pesca da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AM) no Amazonas, explica que a Fundação Nacional do Índio (Funai) deve estar atenta.
“A participação da Funai neste processo é fundamental, ao menos como observadora. Isso é extremamente necessário, como forma de prevenção a um possível conflito de atribuições”, avaliou.
Favorecimento a grilagem
Especialistas da área ambiental afirmam que a portaria do governo Bolsonaro favorecer a prática de grilagem de terras, ação de compra e venda de posse de terras.
O coordenador do grupo de reforma agrária da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), da Procuradoria-Geral da República (PGR), Julio Araujo Junior, defende a não intervenção dos municípios na questão fundiária. “O governo quer abrir mão de exercer seu papel na reforma agrária e favorecer a chancela da ocupação ilegal de terras públicas”, falou à Folha de S.Paulo,
PL da grilagem
Em 2020, a grilagem na Amazônia foi um tema polêmico que envolveu discussões entre políticos, artistas e autoridades, devido a repercussão negativa da Câmara Federal tentar colocar na pauta de votação o Projeto de Lei (PL) 2.633/2020, o ‘Pl da Grilagem’, em meio à pandemia do novo Coronavírus.
Os procuradores da República Julio Araujo e Ana Carolina Haliuc Bragança viram inconstitucionalidade em determinados dispositivos do projeto e apontaram problemas como o avanço da pandemia na Amazônia, as irregularidades do sistema de distribuição fundiária, a falta de diálogo com as populações tradicionais e o risco de prejuízo de R$ 2 bilhões aos cofres públicos.
O teor do PL também foi criticado pelo procurador-chefe de Meio Ambiente da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Daniel Viegas, que atua há nove anos acompanhando processos de regularização fundiária no Amazonas. Para ele, a proposta não observa a maior especificidade da Amazônia para regulação fundiária: a presença das áreas de uso coletivas por diversas comunidades.
Há nove anos acompanhando processos sobre regularização fundiária no Amazonas, hoje, procurador-chefe de Meio Ambiente da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Daniel Viegas critica o teor do Projeto de Lei 2.633/20 e diz que a proposta não observa a maior especificidade da Amazônia para regularização fundiária: a presença das áreas de uso coletivas por diversas comunidades.
Texto com informação da Revista Cenarium
Fotos: Reprodução