O Pico da Neblina é o ponto mais alto do Brasil. Localizado no coração da floresta amazônica, na Serra do Imeri, seu cume está registrado a 2.999 metros de altitude. Apesar de toda a sua importância para o montanhismo nacional e por ser um local desejado por montanhistas do Brasil e do mundo, o Pico da Neblina ficou fechado a turistas durante 16 anos. Somente em março de 2020 ele foi reaberto à visitação.
Mas, o fato de estar aberto não significa que seja um pico fácil de ser alcançado. As expedições ao Pico da Neblina são longas e demandam de diversos desafios. Recentemente a médica e multiesportista, Karina Oliani, teve a oportunidade de chegar ao cume mais alto do Brasil em uma viagem juntamente com o Exército Brasileiro.
Ela nos contou todos os detalhes dessa expedição. Confira a entrevista na íntegra:
The North Face Brasil: Quanto tempo levou essa expedição e como é o roteiro até o cume do Pico da Neblina?
Karina Oliani: A expedição demorou 5 dias. Eu fui como convidada de uma missão de patrulhamento de fronteira do Exército Brasileiro, então eu e aminha equipe fomos junto com um time de aproximadamente 20 soldados, que já estavam em uma missão de patrulhamento. A gente saiu de Manaus, pegou um voo até São Gabriel da Cachoeira. No dia seguinte saímos de São Gabriel da Cachoeira já com o pessoal do exército, voamos de helicóptero até Maturacá, que é onde está o 5º Pelotão de Fronteira do Exército Brasileiro, dormimos lá e no dia seguinte pegamos duas horas de barco, às 5h da manhã, e fomos até o início da trilha.
Neste dia do barco, nós andamos mais 8 horas para chegar até o primeiro acampamento. No segundo dia, nós andamos 10 horas, para chegar ao segundo acampamento de selva. No terceiro dia foram 12 horas de trilha para chegar em um lugar chamado de “Bacia de Gelo”, que é como se fosse o acampamento base do Pico da Neblina. Nós passamos a noite neste local e no dia seguinte acordamos, fizemos o ataque ao cume e dormimos lá, no cume do Pico da Neblina. Nós descemos no outro dia e voltamos dali de helicóptero junto com o pessoal do Exército, direto para Maturacá.
The North Face: Um dos grandes motivos que fizeram o Pico da Neblina ser fechado por tanto tempo foi a preocupação com as comunidades locais. Você teve algum tipo de contato com as comunidades indígenas que habitam a região?
Karina Oliani: A gente teve diversos tipos de contatos com comunidades indígenas, inclusive, tem 5 etnias diferentes que estão presentes no Exército Brasileiro, muito bem integradas, com soldados que falam em suas línguas nativas e fizeram uma saudação linda de boas-vindas quando a gente chegou lá com a nossa equipe, foi muito emocionante. Não tem como você não ter contato, porque na região só tem as comunidades indígenas e o Exército. Então, a gente tem muito contato, é muito legal. Muitos deles trabalham para o Exército e os que não trabalham ali, de alguma maneira vão até o pelotão em busca de auxílio médico e coisas do tipo, então, está todo mundo muito integrado. Nessa região, de São Gabriel da Cachoeira, 90% da população é indígena. É um lugar com muitas etnias e muita riqueza indígena.
The North Face Brasil: O Pico da Neblina está localizado no coração da floresta amazônica, uma região marcada pelas chuvas tropicais. Como foi o clima durante a expedição?
Karina Oliani: O Pico da Neblina está muito próximo da fronteira com a Venezuela, fica nessa região chamada de ‘Cabeça do Cachorro’, que é embrenhado no meio da Amazônia. A gente sobrevoou ali no momento da volta para Maturacá e você não vê uma clareira, nada, é mata fechada o tempo todo. O Pico da Neblina tem esse nome por um motivo, que é justamente a chance de você pegar o clima fechado com neblina ser muito grande, acho que de 90 a 95%. Mas, a nossa equipe deu muita sorte e, como a gente insistiu e conseguiu dormir lá no cume, a gente pegou um momento que o abriu o tempo e deu para ver tudo lá de cima, 360º. Foi muito especial. Mas, é um local que chove demais e, realmente, a parte mais desafiadora é você ficar molhado o tempo todo. A partir do momento que você entra na selva, você se molha, logo nos primeiros minutos, e aí você não consegue secar mais até o final da expedição. Então, você fica úmido o tempo todo.
The North Face Brasil: O percurso tem alguma parte técnica? Qual é o nível de dificuldade?
Karina Oliani: A expedição ao Pico da Neblina é composta por um trekking intenso na selva, definitivamente não é para iniciantes. Você vai com uma mochila que pesa, no mínimo 20 kg, porque você tem que carregar a sua comida, equipamentos, barraca, roupas, kit médico, enfim, tudo. A gente vai muito pesado e andando em um solo em que a maior parte é charco, você afunda nesse solo de argila movediça, quase até a cintura. Eu cheguei, inclusive, em um momento até a perder a bota e não saber se ia conseguir recuperar, porque eu, literalmente, atolei. A parte mais difícil é você aguentar esse tranco um dia após o outro, após o outro… Então, é bem desafiador fisicamente. Você precisa estar bem preparado para realizar esse trekking. Tem muitas pessoas que não conseguem finalizar essa expedição.
The North Face Brasil: Qual foi a parte mais interessante dessa viagem?
Karina Oliani: Tiveram muitas partes interessantes dessa viagem, a oportunidade de fazer esse voo com o Exército, ser recebido com o Hino Nacional e saudações indígenas muito emocionantes… mas, eu acho que a parte mais interessante foi a troca mesmo. Porque eles são especialistas em guerra na selva, em andar na selva e tudo, e a gente tem esse conhecimento de montanha. E o Neblina mistura selva com montanha, então, a gente pôde trocar realmente muitas experiências, histórias, conhecimento e somar um com o outro.
The North Face Brasil: Você já tinha conhecido o Pico da Neblina? Como foi pra você essa experiência pessoal?
Karina Oliani: Eu não conhecia o Pico da Neblina. É engraçado até, porque eu já estive duas vezes no topo do mundo, lá no Everest, estive no topo do K2, que é a segunda montanha mais alta do mundo e, no Pico da Neblina, que é o topo do meu país, eu nunca tinha estado. Então, o fato de eu ter tido a oportunidade, finalmente, de conhecer o Pico da Neblina foi uma honra. Eu tenho muita gratidão ao Exército, por ter tratado a nossa equipe muito bem e por terem nos aceitado como parte dessa missão de reconhecimento de fronteira.
Fonte: Thaís Teisen/ The North Face.
Fotos: Karina Oliani/Arquivo Pessoal.