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Múcio quer tirar do Ministério da Defesa programa cobiçado pelo Centrão

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, trabalha para transferir o programa Calha Norte, hoje sob sua gestão, ao Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Waldez Góes e área de influência do Centrão. O projeto foi criado em 1985 para melhorar a infraestrutura das fronteiras da região Norte e expandir unidades militares, mas passou a ser irrigado por emendas e usado para viabilizar obras em redutos eleitorais de parlamentares da região, gerando incômodo nos militares. Com a mudança, Múcio pretende esvaziar a ingerência de políticos nos recursos administrados pela pasta. A articulação vem sendo acompanhada pelo Palácio do Planalto e tem apoio da cúpula das Forças Armadas.

Múcio e Waldez Góes já conversaram sobre a possível migração. O titular da pasta do Desenvolvimento Regional foi indicado ao posto pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP) e é próximo a diversas lideranças do Congresso. Caso a mudança se efetive, a pasta, que tem orçamento de R$ 5,4 bilhões para 2024, será ainda mais turbinada com recursos do Calha Norte.

Na avaliação de auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, faz mais sentido o projeto estar em um ministério que cuida de iniciativas semelhantes, tirando da Defesa a articulação para o pagamento das verbas. A interlocutores, Múcio avalia que não há motivo para o ministério, dedicado a questões militares, manter o controle de uma ação que é vitrine para congressistas.

Crivo do Congresso

O ministro também já tratou do assunto com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que apoiam a decisão da mudança. Eles avaliam que o projeto transcendeu as atribuições de defesa nacional.

A troca na gestão do programa, contudo, ainda depende de aprovação no Congresso, onde deve enfrentar resistências. A avaliação de parlamentares é que o programa funciona bem no atual formato, com emendas muitas vezes sendo liberadas de forma mais célere que em outras pastas.

Técnicos do governo costumam ressaltar a maior capacidade operacional do Ministério da Defesa, menos afeito a mudanças em seus quadros por questões políticas. A maioria dos projetos é de execução direta da própria pasta, o que facilita o trâmite.

Parlamentares do MDB e do PSD afirmam que a possibilidade de o Calha Norte ser transferido para um ministério hoje sob influência do União Brasil pode causar “ruído” na base aliada.

— Qualquer mudança em áreas onde parlamentares estão satisfeitos, via de regra, traz algum tipo de ruído. Os parlamentares aprovam a gestão do programa, porque funciona de forma organizada — afirma o senador Eduardo Braga (MDB-AM).

Embora pensado como forma de levar infraestrutura à região de fronteira, o Calha Norte foi expandido nos últimos anos e passou a atender até mesmo estados fora da área fronteiriça, como o Tocantins. O maior interesse de senadores e deputados é na destinação mais rápida do dinheiro do programa para os redutos eleitorais.

Em 18 de outubro de 2023, por exemplo, o senador Sérgio Petecão (PSD-AC) participou de uma reunião no Ministério da Defesa para tratar da liberação de recursos a Cruzeiro do Sul (AC). O município foi contemplado com seis convênios da pasta no ano passado, em um total de R$ 4,9 milhões para a construção de uma arquibancada no estádio municipal, além de compra de veículos e embarcações.

— Se o governo me ouvir, vou me movimentar para que não se mexa. Como é que vai mexer numa coisa que está dando certo? A não ser que seja para melhorar. Eu aloco a maioria das minhas emendas lá, eles dão celeridade, atendem bem, não vejo nenhum problema — disse Petecão.

Muitos recursos e diferentes destinações

  • Verba até para funerária — Em 2022, durante o governo Bolsonaro, O GLOBO revelou que o Calha Norte movimentou R$ 588 milhões do orçamento secreto, extinto posteriormente por decisão do Supremo Tribunal Federal. Deste valor, R$ 401 milhões atenderam a 11 senadores, sendo a maioria deles, à época, governista. A verba bancou uma capela funerária, praças, passarelas e edifícios que abrigariam câmaras de vereadores em duas cidades do interior do Amapá (Tartarugalzinho e Cutias) e uma no Amazonas (Careiro).
  • Campos de futebol — Em setembro de 2021, a gestão Bolsonaro liberou R$ 4,5 milhões para seis campos de grama sintética em seis bairros de Macapá. O dinheiro, também oriundo do orçamento secreto da pasta, saiu de uma indicação de Alcolumbre.

 Foto: Cristiano Mariz

*O Globo Por Jeniffer Gularte  e Patrik Camporez

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