Aumentar e regular o financiamento verde, incentivar sistemas nacionais de pesquisa agropecuária, promover a digitalização inclusiva do campo, investir em inovações para atender ao crescente aumento da demanda por proteínas e cooperar para adaptar as formas de produção para se preparara para os fortes impactos climáticos, foram alguns dos temas da sessão de ontem da Semana Internacional de Agricultura Tropical – AgriTrop 202, sob o título Desafios e inovações institucionais para uma nova etapa do desenvolvimento da Agricultura Tropical no Mundo.
Desde segunda-feira, especialistas de vários países da Europa, África e América Latina estão reunidos para compartilhar expertises sobre sistemas alimentares, convergência das agendas agrícola e ambiental, além de desafios e inovações relacionados ao futuro da alimentação mundial. Organizada pela e pelo Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola (IICA), o evento vai até sexta-feira (26/03) e também tem o objetivo de colher contribuições para a Cúpula Mundial de Sistemas Alimentares, das Nações Unidas, marcada para setembro.
Pedro Martel, chefe divisão de Economia, Meio Ambiente e Desenvolvimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) destacou dois avanços institucionais que considera importantes: melhorar os sistemas nacionais de pesquisas e a disponibilidade e marcos regulatórios para os financiamentos verdes.
“O Brasil, por exemplo, destina 1,82% do PIB agrícola enquanto Guatemala destina 0,14% e na maior parte dos países destina menos de 1%. Os investimentos em capacidades humanas, em doutores e pesquisadores, estão concentrados no Brasil, na Argentina e no México. Os demais países da região têm poucos pesquisadores”, comparou. “Este é ponto central e mais importante com relação a mudanças institucionais”.
De acordo com Martel, os volumes de financiamento verde são pequenos em comparação com os financiamentos ordinários. “Austrália, Nova Zelândia e Canadá são exemplos positivos que têm mais 50% dos seus ativos financeiros nesta modalidade. A América Latina tem pouca participação do setor financeiro e poucos instrumentos de apoio, além de faltar definições claras sobre o que são fundos de financiamento verde”, disse, e ressaltou que há, ainda, uma preocupação com fundos que passam por verdes, mais não são. “Este é um debate e um tema regulatório importantíssimo”.
Desperdício
Para Gustavo Chianca, representante-adjunto da FAO no Brasil, a agricultura tropical é uma das chaves para reequilibrar a segurança alimentar no mundo e, para isso, a digitalização no campo deve ser priorizada. Ele também apontou a bioeconomia como parte da solução, especialmente no aproveitamento de resíduos de culturas agrícolas na alimentação. “Dessa forma, além de contribuir para a segurança alimentar, agregamos valor aos produtos agrícolas”, pontuou.
Ele afirmou que, até o início dos anos 2.000, houve crescimento da produção alimentar, mas a partir dos anos de 2014, o cenário mundial começou a piorar especialmente na região subsaariana, em grande parte devido a conflitos e mudanças climáticas e a pandemia de Covid-19 agravou ainda mais a situação a partir de 2020.
No entanto, ele afirmou que um dos maiores problemas é o desperdício e as perdas de alimentos que ocorrem desde a colheita até a distribuição. “O total de alimentos perdidos e desperdiçados hoje no mundo é de 220 milhões de toneladas por ano, ou seja, 330 kg per capita. O impacto econômico no PIB global é de aproximadamente 150 bilhões de dólares”, revelou.
Ele avalia que os países do cinturão tropical devem investir em novas culturas agrícolas e em proteínas alternativas, pois a produção mundial gira em torno de cinco commodities. “Precisamos diversificar essa gama de produtos para beneficiar especialmente a população à margem do desenvolvimento. Muito se fala no futuro, que precisaremos aumentar a produção de alimentos para atender ao aumento populacional, que deve chegar a 10 bilhões de pessoas em 2050. Mas hoje temos 800 milhões de pessoas com fome no mundo. Portanto, o problema é atual e premente”, frisou.
Cooperativismo
Raj Vardhan, da Associação Internacional de Gestão de Alimentos e do Agronegócio (IFAMA, na sigla em inglês), apresentou algumas das forças e das fragilidades da agricultura na Índia, onde 1,3 bilhão de pessoas dependem da agricultura, em grande parte, de subsistência, com baixo nível de mecanização.
Entre as vantagens, ele citou as cooperativas, que, segundo ele, são bem organizadas, o que ajuda a aumentar o poder aquisitivo dos produtores. Ele citou o Mercado Agrícola Nacional Eletrônico (Enam), uma plataforma iniciada em 2016, que vincula mercados, criada com o objetivo de ajudar os produtores a decidirem preço e estratégias de venda. “Mas ainda temos problemas relacionados ao pagamento online. O governo está tentando melhorar a base de dados para que cada produtor tenha uma identidade única”, explicou.
Outro ponto positivo que ele destacou é o fato de que os jovens indianos têm escolhido permanecer no campo. “Muitos estudaram engenharia e na Índia temos ótimas universidades. A agricultura entre os jovens continua a se expandir e a forma de trabalhar está evoluindo. Os agricultores estão usando, cada vez, máquinas para ajudar na colheita e no plantio”, comemorou.
Entre os maiores desafios, ele citou problemas de infraestrutura. Embora a Índia tenha a maior rede ferroviária e a segunda maior rede de rodovias do mundo, segundo Vardhan, o país possui um número pequeno de depósitos para a quantidade de grãos produzidos. Além disso, ele disse que é preciso investir na manutenção da malha ferroviária para ajudar no transporte de grãos e para escoar alimentos para todo o país. “Estamos tentando impulsionar o tráfego nas vias navegáveis como uma opção logística”, explicou.
Além do armazenamento, o outro grande desafio do país é disponibilidade hídrica. Ao mesmo tempo que há riscos e inundação no Norte, há risco de escassez no Sul. “Infelizmente, a qualidade da água da Índia é baixa e isso afeta a população”.
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa
Fotos: Divulgação