Pesquisadores alertam que mais um ano não é suficiente para proteger botos, usados como isca para captura da espécie. São avaliadas ações multi institucionais voltadas à identificação de iscas alternativas
A pesca da piracatinga no Amazonas foi proibida, desde 2015, por meio de uma moratória do Governo Federal que busca proteger os botos e jacarés na região, já que a carne dos animais é usada como isca para capturar os peixes.
Conhecidos como “golfinhos amazônicos”, os botos cor de rosa o botos-vermelhos eram os principais alvos dos pescadores e a atividade colocou a espécie em risco de extinção. Até hoje, conforme pesquisadores, os botos-vermelhos continuam sendo ameaçados pela atividade ilegal e a falta de investimento público acaba contribuindo com essa realidade.
Até 7 mil botos eram mortos por ano no Amazonas para serem utilizados como isca para a pesca da piracatinga, antes da moratória interministerial, segundo a Associação Amigos do Peixe-boi (Ampa). A moratória que proíbe a pesca da piracatinga encerrou em janeiro deste ano e a atividade deixou de ser ilegal por seis meses. No dia 1º de julho, entrou em vigência a normativa que estabeleceu novo período de moratória, até julho de 2021.
De acordo com o documento, editado pela Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SAP/MAPA), fica proibida a pesca, retenção a bordo, transbordo, desembarque, armazenamento, transporte, beneficiamento e a comercialização da piracatinga (Calophysus macropterus) em águas jurisdicionais brasileiras, e em todo território nacional.
Os termos estabelecidos propõem ainda:
- avaliar os efeitos da moratória para a recuperação das espécies de botos (Inia geoffrensis e Sotalia fluviatilis) e jacarés (Caiman crocodilus e Melanosuchus niger);
- identificar técnicas e métodos ou alternativas produtivas ambiental, econômico e socialmente viáveis e sustentáveis para o exercício e controle da atividade pesqueira da piracatinga (Calophysus macropterus).”
Pesquisadores avaliam que o prazo de mais um ano não é suficiente para acabar com a pesca predatória de botos-vermelhos e jacarés, que são usados como iscas nessa atividade. Para a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC) e Coordenadora do Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia (Ampa), a bióloga Vera da Silva, a moratória de um ano criada pela Secretaria da Pesca “não dá nem para começar a ‘raspar a superfície do problema”.
“Colocar no papel é muito legal, mas sair do papel para prática, a gente tem discutir. Nós achamos que um ano de moratória não dá nem para começar a ‘raspar a superfície do problema’. Mais outro tanto vai ter que ser criado no final do ano para que essas ações que estão se propondo agora sejam colocadas em prática e a gente possa ter resultado”, avaliou Vera, que há mais de 25 anos realiza estudos e pesquisas dedicadas aos botos que habitam o bioma amazônico.
Um Grupo de Trabalho (GT), instituído no âmbito do Conselho Estadual de Pesca e Aquicultura no Amazonas (Conepa), foi criado para somar experiências, conhecimentos e recursos que viabilizem a elaboração e execução de um Plano de Ação capaz auxiliar o Ministério da Agricultura a dar efetividade à Moratória.
O Chefe da Divisão de Aquicultura e Pesca, da Superintendência Federal de Agricultura no Amazonas, Vinícius Lopes, explica que mesmo durante o período de vigência da primeira moratória, de 2015 a 2020, a pesca da piracatinga continuou sendo praticada de forma clandestina/ilegal.
“Lideranças dos pescadores e representantes das empresas pesqueiras são os maiores interessados em garantir que a pesca da Piracatinga aconteça sem qualquer impacto às populações de botos e jacarés, tendo em vista que, do contrário, a atividade não se mostraria sustentável e esses mesmos grupos de trabalhadores seriam potencialmente prejudicados”, afirmou.
A moratória, por si só, de acordo com Vinícius Lopes, não se configura como instrumento efetivo de proteção dos botos, sendo necessária a construção de uma nova proposta metodológica para a pesca da piracatinga. Segundo o pesquisador, a medida proposta pode significar impactos futuros ainda mais positivos para os “golfinhos amazônicos”, do que a própria moratória.
Segundo Vera da Silva, este próximo ano de moratória servirá, principalmente, para o estabelecimento e a consolidação das metas e estratégias para os próximos anos. “Se isso não acontecer e não conseguirmos definir as diretrizes, precisaremos de outra moratória para continuarmos discutindo os já conhecidos problemas da pesca da piracatinga e do uso dos botos e jacarés como isca”, disse.
A bióloga destacou, ainda, a questão de recursos necessários para cumprir os objetivos estabelecidos. “Ninguém falou em recurso, quanto custa fazer esses estudos, criar essas condições, quem vai bancar?”, questionou.
A falta de recursos, segundo o secretário-executivo de Pesca e Aquicultura e vice-presidente do Conepa, Leocy Cutrim, é um dos motivos que impediu a conclusão dos trabalhos mesmo depois de cinco anos de moratória. Ele afirma que quatro pontos ainda precisam ser esclarecidos para determinar se a moratória deve ser prorrogada, ou se libera a pesca da piracatinga novamente.
“A situação da população de botos e jacarés não foi concluída por falta de recursos. É preciso avaliar a rastreabilidade da piracatinga, desde a captura até a comercialização. E a sua população, que já teve um levantamento, mas é bom atualizar. Outro ponto é identificar iscas alternativas, para não usar botos ou jacarés”, detalhou o secretário.
Estratégias
O Chefe da Divisão de Aquicultura e Pesca, da Superintendência Federal de Agricultura no Amazonas, Vinícius Lopes, informou que o Grupo de Trabalho definiu e aprovou, na terça-feira (11), o Plano de Ação que irá nortear as atividades das instituições que compõem o colegiado do Conepa e que, direta ou indiretamente, estão envolvidas com o ordenamento da pesca da Piracatinga no Estado.
- ações multi institucionais voltadas à identificação de iscas alternativas à pesca da Piracatinga;
- estudos sobre os estoques populacionais de botos e jacarés;
- diagnóstico sobre a pesca e comercialização da Piracatinga;
- ações de monitoramento e controle quanto à pesca da Piracatinga;
- além de ações de sensibilização e educação ambiental voltadas ao combate à pesca ilegal da Piracatinga.
De acordo com Lopes, o plano será submetido à plenária do Conepa, ainda sem previsão, para que seja aprovado e possam ser levantados os recursos necessários à implementação das atividades. Ele disse que várias instituições serão instadas a figurar como financiadoras dessas ações.
Participaram da reunião representantes da Secretaria Executiva de Pesca e Aquicultura no Amazonas (Sepa/Sepror), da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa), da Superintendência da CONAB no Amazonas, da Superintendência do Ministério da Agricultura no Amazonas, da Federação dos Sindicatos de Pescadores no Amazonas (FESINPEAM), da ONG WCS, da Federação das Associações de Pescadores do Amazonas (FAPESCAM), além de proprietários de empresas pesqueiras que trabalham com processamento da Piracatinga no Amazonas.
Texto com informação de G1
Fotos: Divulgação