Com a população estimada de 6.700 pessoas (dados do IBGE/2007 para o IDAM), o distrito de Santo Antônio do Matupi tem como principais atividades econômicas a produção de derivados do leite (o maior laticínio do Amazonas, com capacidade de 100 mil litros/dia está no distrito) gado de corte, extração de madeira manejada e comércio. Distante da sede de Manicoré, 638 quilômetros por estradas, o Quilômetro 180 como também é conhecido, é cortado pela BR 230, à histórica Transamazônica. Tendo como fronteiras o estado do Mato Grosso (ao sul) e os territórios dos municípios de Humaitá (oeste) e Apuí (leste).
Dirigindo pela Transamazônica, cerca de 40 quilômetros da sede de Matupi, a primeira parada foi na Fazenda Dois Irmãos, pertencente ao fazendeiro Leonildo Jesus Scheffer, um dos primeiros desbravadores da região, que chegou no ano de 1981 com a família. Natural do Paraná, Scheffer, produz gado de corte e suas terras estão na fronteira com a reserva indígena dos Tenharins.
Em entrevista com ele, entendemos como é a vida na região.
Agrofloresta- Como é escoado o gado da fazenda?
Leonildo Scheffer – Grande parte da produção vai “em pé” por transporte rodoviário, para Manaus e Manicoré. Todos os animais são criados para o corte, porém, hoje estou começando a investir na piscicultura de pirarucu, mas ainda está muito no início.
Agrofloresta- Qual sua maior dificuldade aqui?
Leonildo Scheffer– A primeira dificuldade é a comunicação. No distrito de Matupi, não temos nenhuma operadora de telefonia e, hoje, temos uma antena de internet, via satélite, para poder nos comunicar, somente via whatsapp com as pessoas e ainda com um sinal que não é apropriado. O segundo, é que ,infelizmente, mesmo passado quase 40 anos, a BR 230 nunca foi asfaltada, o que dificulta muito nossa produção no inverno, pois em determinados trechos fica intransitável, o que piora quando mandamos gado para Manaus, pois dependemos da rodovia BR 319.
Agrofloresta- O que mudou com a pandemia para você?
O medo (pausa), hoje a porteira da fazenda fica o tempo inteira fechada, impedindo pessoas de adentrarem na propriedade. Meus sogros estavam passando férias aqui em casa, o que era para serem 15 dias, já tem mais de 90 dias, pois não deixamos eles voltarem à Rondônia, onde vivem. Acreditamos que, mesmo com a dificuldade da logística, aqui (Santo Antônio do Matupi) ainda é mais seguro do que as cidades grandes, devido o alto índice de contaminação.
Agrofloresta – E quem faz as compras externas para a fazenda?
Leonildo Scheffer -Apenas eu vou até a sede do distrito fazer compras, mantimentos e só saio quando é necessário e evito ficar muito tempo nos locais e sempre utilizando máscaras e álcool gel. No distrito de Matupi não temos hospitais, apenas uma única UBS (Únidade Básica de Saúde), se alguém adoecer e precisar de respirador tem apenas uma unidade e se forem duas pessoas que precisarem, um vai ficar sem respirar.
Agrofloresta- E o que você espera para o futuro?
Leonildo Scheffer – Eu creio que depois que passar tudo isso, lugar nenhum no mundo irá voltar ao normal.
Transamazônica
Com a ambiciosa meta de integrar o Nordeste ao Norte do país, a BR 230 -Transamazônica tem 4.075 quilômetros e iniciou suas obras em 1970 no município de Cabedelo, na região metropolitana de João Pessoa, na Paraíba. Ela passa pelos estados do Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas, terminando na cidade de Lábrea. Mas na região da Amazônia é onde seus trechos são mais críticos, sem receber pavimentação e com dificuldade da logística.
O fazendeiro Walter Sabino vive na região e luta para manter sua atividade de pecuarista frente às enormes dificuldades de infraestrutura. Estivemos com ele e ouvimos sua história.
Na Fazenda Triângulo, localizada no vicinal dos Baianos, quilômetro 30, a família Sabino produz gado nelore para corte, além cultivar lavoura de milho e uma pequena criação de porcos. Hoje, são três gerações que ajudam o patriarca Walter Sabino, um senhor de 78 anos, que nasceu dentro da roça a “tocar” a fazenda, com ajuda de sua esposa Dalva, o filho Emerson e o neto Pedro.
Agrofloresta- Qual motivo o levou a fabricar a sua própria ração para os animais?
Walter Sabino – Há tempos tivemos um problema na pastagem, com a praga da cigarrinha, e ficamos sem pasto, aí tivemos a ideia de fazer uma fábrica de ração para não deixar o gado passar fome. Começamos a plantar milho, e isso fez diminuir nossos custos. Depois de um ano ampliamos a fábrica, que era somente para consumo de nossos animais e, hoje, às vezes, um ou outro vizinho compra da gente.
Agrofloresta- O que mudou da sua época da roça com os seus pais para hoje?
Walter Sabino – Ah, muita coisa mudou. Aquilo que fazíamos no passado não serve mais para hoje, a tecnologia evoluiu e as coisas foram mudando e a gente não consegue acompanhar sem recursos, mas a fazenda evoluiu a custo de muito trabalho e esforço nosso.
Agrofloresta- Qual é a maior dificuldade hoje para a agricultura e pecuária local?
Walter Sabino -Não há financiamento de bancos para quem é agricultor daqui de Matupi. As estradas, se tem estrada aqui é o povo que faz, a prefeitura de Manicoré, não tem condições de fazer para nós, por isso nós agricultores e pecuaristas pagamos as máquinas para arrumar os ramais e, assim, escoar nossa produção.
Agrofloresta- O que mudou com o início da pandemia?
Walter Sabino– Alguns produtos começaram a faltar, por esses dias faltou sal para o boi, tudo por que o caminhão não veio. E aí quando vimos na TV de Manaus o estrago do cornavirus, nós nos trancamos de vez aqui na fazenda; quando precisa comprar algo na cidade ‘é’ os meninos que ‘vai’ (filho e neto).
Agrofloresta- Em algum momento a Fazenda Triângulo recebeu alguma ajuda de Organizações Não Governamentais (ONG’s) ou de investidores internacionais, principalmente, nesse período da pandemia de COVID-19?
Walter Sabino – Esse povo não tem conhecimento do que é a Amazônia não. Não tem conhecimento de nada aqui. Eles falam o que ouviram falar, eles não sabem nada, mas ajuda deles não tem, eles só sabem criticar, o coitado do povo que vive na beira do rio, ribeirinhos, a vida difícil que esse povo tem, eles não queriam passar nenhum dia na pele deles. E eles, lá de fora que não tem conhecimento só criticam, que tem desmatamento ou que faz o que não deve, essas ONG’s falam que vem ajudar a Amazônia, mas aqui nunca aparece nenhuma delas. Nós não temos ajuda de ninguém aqui desse povo, essas ONGs disse que vem ajudar o povo e aqui não aparece nada. Somos nós e Deus.
Amor aos avós
É muito comum no campo, até pela dificuldade de ensino, os jovens quererem ir para a cidade, ao perguntar para Pedro Sabino, neto de apenas 20 anos do sr Walter, se ele tem vontade de ir para a cidade grande, recebi uma resposta que, confesso, deixou-me emocionada.
Eu até penso em sair, mas como deixa os dois? É amor demais da conta, não dá para ir não”, comentou Pedro, um vaqueiro por excelência.
Ranilda - uma líder comunitária
Ao sair da Fazenda Triângulo retornando à sede do distrito, paramos nas margens da Transamazônica, no Parque de Exposições Amadeu Rodrigues Vidal. O local que, anualmente, faz seus eventos de feiras, hoje é um dos principais pontos de lazer da população todos os fins de semana, serve também de sede para Associação de Produtores e Pecuaristas de Santo Antônio de Matupi e da Associação de Moradores de Santo Antônio de Matupi, que tem como presidente Ranilda Silva de Araújo, produtora rural e uma das principais líderes comunitárias da região. Uma mulher aguerrida que foi buscar ajuda para não deixar nenhum morador ficar sem o auxílio emergencial, do Governo Federal.
Agrofloresta- Como a Associação ajudou a população no cadastro do auxílio emergencial, do Governo Federal?
Ranilda-Fizemos uma ação social que ajudou centenas de pessoas, pois aqui não temos o mínimo para comunicação, que seria uma torre de operadora telefônica, conversamos com o prefeito de Manicoré, Sabá Medeiros, que nos disponibilizou uma pessoa na sede do município, para comprar os chips de celulares e cadastrar estes para os moradores de Matupi. Atendemos, principalmente, moradores e agricultores que moram em sítios afastados e que não possuem internet, além dos que não têm nenhum tipo de experiência com tecnologia.
Ajudamos a fazer o cadastro auxiliando, orientando e monitorando a liberação do auxílio. Foi essa a forma que encontramos para fazer mais pessoas a terem seus direitos. Dos cadastros realizados pela ação 95% deles foram aprovados.
Agrofloresta- Hoje, qual a maior dificuldade da população em Santo Antônio de Matupi?
Ranilda – Há 15 anos começou a obra para a construção do hospital do distrito, porém nunca foi concluído. O que temos hoje, aqui, é apenas uma UBS, com dois médicos, enfermeira e auxiliar de enfermagem, que atendem todos os tipos de casos e faz um sobreaviso a noite, que não é responsabilidade da UBS, mas faz. Caso grave tem que ser removido para Humaitá, por exemplo: se eu sofrer um acidente hoje, eu recebo os primeiros socorros na UBS e sigo para Humaitá, se no hospital de Humaitá não resolver, serei encaminhada para Porto Velho, em Rondônia. A minha filha, eu tive que levar em Humaitá para saber que ela estava grávida, quando ela for ganhar neném, vou ter que levar para Humaitá ou Apuí, ou qualquer outra cidade, aqui não nasce cidadão Matupiense, pois as grávidas têm que ir para outra cidade, pois não há hospital e nem equipamento para fazer um parto.
O peão
Os efeitos da pandemia são sentidos por todos. O medo do desconhecido, do pouco que se vê nos telejornais e, principalmente, a falta de trabalho que de uma hora para outra, pegou todos de surpresa.
Charles Jhonatan de Souza, conhecido como Toddynho é peão. Nascido em Apuí, hoje com 22 anos e há quatro vivendo em Santo Antônio de Matupi, escolheu mudar pelas oportunidades de trabalho.
Agrofloresta – Qual a maior dificuldade hoje para você com o surgimento da COVID-19?
Toddynho – Diminuíram os serviços. Antes tínhamos serviços mensais, eramos contratados para trabalhar o mês inteiro, mas hoje só temos diárias. O valor no fim do mês diminuiu e os produtos nas lojas aumentaram, acho que por conta da dificuldade dos caminhoneiros de trazer as coisas.
Fazenda Letícia
Em sentido oposto, nossa equipe dirigiu por uma hora e meia de estrada, da sede do distrito até a Fazenda Letícia, localizada na vicinal Bom Futuro, pertencente ao fazendeiro José Roberto de Carvalho, que nos recebeu juntamente com sua esposa Marlene Terezinha e o filho Francisco José de Carvalho Neto. Residentes na região desde 2006, a fazenda de grande porte, possuí em torno de 1.000 cabeças de gado, criados ,exclusivamente, para corte e enviados para a capital amazonense, via transporte rodoviário e por balsas pelos rios -“gado em pé”.
Agrofloresta – Qual é a realidade hoje do licenciamento ambiental para os agricultores da região?
José Roberto de Carvalho – Para nós é tudo, trabalhar na legalidade, é uma coisa muito importante para nós, pois a forma que estamos levando tem muita dificuldade. Queremos trabalhar legalmente e com paz. Para produzir mais precisamos de licenciamento ambiental, nosso objetivo é alimentar a população.
Comércio
Em toda a região era comum ver os empresários com seus comércios abertos, porém, restringindo horários de funcionamento, obrigando a utilização de máscaras dentro de seus estabelecimentos e disponibilizando a funcionários e clientes álcool gel. Medidas simples, que fazem a diferença entre a saúde e o inimigo invisível.
Texto: Milena di Castro
Foto de capa: Anderson Oliveira